domingo, 22 de março de 2009

Caminhos de outono

Se tudo deu certo, é outono desde sexta-feira.

Será um motivo para comemoração? Confesso que, para mim, é. Como explica a Wikipédia, o outono “é caracterizado por queda na temperatura e pelo amarelar das folhas das árvores”. Admito que não aguardava com ansiedade o amarelar das folhas da árvores, mas andava muito interessado na queda da temperatura.

Para grande parte do planeta, o outono é uma estação melancólica. Lembra um filme de Bergman com trilha sonora de Schumann.

Não foi por acaso que Drummond disse que o outono não é uma estação da natureza, mas uma estação da alma. E a alma, no caso, é deprimida. Outono é sempre associado à metade final da vida. À metade decadente. Lembro-me de uma novela de televisão, no comecinho da TV Globo, que tratava do amor entre um casal, digamos, já passado. Ele era interpretado por Walter Forster e Yara Lins. Forster, na época, deveria estar com uns 40 e poucos anos; Yara, recém tinha atingido os 30. Mas, na época em que a Globo estava começando, isso era praticamente terceira idade.

O nome da novela? “Paixão de outono”.

Conheci uma “casa de repouso” — eufemismo para “asilo para velhos” — chamada “Jardim de outono”.

Se já falamos de Drummond, não custa lembrar Quintana. Ele também tinha suas ideias sobre o outono: “O outono toca realejo/ No pátio da minha vida/ Velha canção sempre a mesma/ Sob a vidraça descida.” Não é conveniente interpretar Quintana ao pé-da-letra — pensando bem, o melhor é não interpretar nada ao pé-da-letra —, mas... outono tocando realejo, velha canção, vidraça descida... é o ocaso de uma vida, não? Outono e velhice estão ligados para sempre por causa das tais folhas amareladas da Wikipédia. Renascimento, só duas estações depois, na primavera. Para quem mora no Rio, porém, a associação é uma injustiça. É exatamente no outono que a cidade fica mais agradável, mais jovial. Não é frio ainda, mas aquele calor perturbador do alto verão já não existe. É quente sob o sol, fresquinho à noite. Há quem bata palmas para o pôr-do-sol no Arpoador nos meses do começo do ano. Mas é justamente no fim de março, em abril, no começo de maio que a despedida do dia fica mais bonita. E a luz? Em que outra estação do ano há uma luz tão deslumbrante quanto a luz do outono carioca? E, verdade seja feita, nas folhas de amendoeira que costumam cobrir as calçadas nesta época do ano, a gente até encontra uma ou outra amarelada. Sem melancolia.

Apesar da oportunidade jornalística provocada pela data, pode-se sempre perguntar por que o colunista resolveu escrever sobre o outono. Não sei se terei resposta.

Voltando à poesia de Mario Quintana, aquela do realejo, da velha canção, da vidraça descida, reproduzo seus últimos versos: “Mas os caminhos de outono/ vão dar a parte alguma.” Esta crônica também.

(por Artur Xexéo, 22/março/2009, pág. 52)

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