quinta-feira, 22 de abril de 2010

A maior tortura

Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia ...
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!
E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia! ...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!
Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!
Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és
Para gritar num verso a minha Dor! ...
Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim !
E, olhos postos em ti, digo de rastros :
"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus : Princípio e Fim ! ..."
Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Ambiciosa
Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O voo dum gesto para os alcançar ...
Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar ...
__Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar !
Minh’ alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus !
O amor dum homem ? __Terra tão pisada,
Gota de chuva ao vento baloiçada ...
Um homem ? __Quando eu sonho o amor de um Deus ! ...
Versos de orgulho
O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho ! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.
Porque o meu Reino fica para além ...
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus !
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém !
O mundo ? O que é o mundo, ó meu Amor ?
__O jardim dos meus versos todo em flor ...
A seara dos teus beijos, pão bendito ...
Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços ...
__São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.
Cantigas leva-as o vento...
A lembrança dos teus beijos
Inda na minh'alma existe,
Como um perfume perdido,
Nas folhas dum livro triste.
Perfume tão esquisito
E de tal suavidade,
Que mesmo desapar'cido
Revive numa saudade!


(por Florbela Espanca)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Uma vez que você tenha experimentado voar, você andará pela terra com seus olhos voltados para céu, pois lá você esteve e para lá você desejará voltar.

(Desconheço a autoria)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sinal de vazio na relação

Se a ideia de sair de casa ou viajar - e passar um tempo só com ele ou com ela -, em lugar de criar excitação, incomoda, é hora de examinar onde a relação encalhou - ou se um dos parceiros está escondendo algo. Claro que às vezes o desânimo se deve à falta de dinheiro e tempo ou ao foco em outras prioridades, mas há várias maneiras de sair do casulo, arejar e ampliar os horizontes a um custo mínimo. Um simples sorvete ou café na esquina, por exemplo, podem proporcionar grande prazer a um casal.

Não há dúvida de que o cotidiano cansa. No lar doce lar encontramos conforto e muitas atrações: além do amor, existe a internet, videogames, livros, música, TV, filmes, sem falar na própria vida do casal e da família. A gente até esquece a rua e suas ofertas sedutoras, e mesmo as viagens, com tantas possibilidades de experiências novas. Porém, às vezes, ainda que não falte dinheiro e a vida da casa não esteja tão animada assim, o casal, ou um dos parceiros, não encontra gás para sair. O que acontece?

Todo casal pode passar por momentos desse tipo, um certo cansaço da cara do outro, um gosto amargo de tédio. Mas é uma sensação provisória. Logo volta o entusiasmo, a vontade de compartilhar emoções, experiências.

Agora, se em nove entre cada dez vezes que a chance de uma viagem ou passeio se apresenta pensamos que será tudo igual ao de sempre, com os mesmos diálogos, as mesmas piadas, é hora de acender a luz amarela: o casal, ou um dos parceiros, seguramente não anda em sua melhor fase.

Reconhecer o fato e conversar sobre ele é a primeira providência acertada: cada um deve expressar seus sentimentos sobre si ou a relação, sem medo e evitando cair na caricatura hoje estigmatizada de "discutir a relação". Também não se deve ceder ao receio a respeito de "onde isso pode dar". Porque uma relação que caminha sem promover de forma hegemônica a felicidade faz mal até à saúde. No futuro, estudos deverão comprovar no casal infeliz a matriz de males físicos, dando razão ao ditado popular que reza ser melhor ficar só do que mal acompanhado. Portanto, nada melhor do que "botar para fora", expressar o que incomoda no momento e o que ficou guardado. Sigmund Freud (1856-1939) se referia à Psicanálise como talking cure - a cura pela fala. Funciona!

Aliás, a propósito de Freud, nunca descobri qual de seus amigos lhe falou que "os histéricos são a flor da humanidade". "Tão estéreis, sem dúvida, mas tão belos quanto as flores". Lembrei-me disso porque nos chamados "histéricos" supõe-se que o sistema nervoso, enquanto em repouso, libera excesso de excitação que exige ser utilizado, por isso, talvez, sejam conhecidos por sua inquietude, sua intolerância à monotonia e ao tédio.

Não pretendo com isso dizer que todos os descontentes no casamento são histéricos! E também não vamos negar outras realidades: às vezes, o casal está com o prazo de validade vencido, mesmo. É difícil e doloroso perceber isso - mas não será pior permanecer em uma união infeliz? É algo a se pensar. Outras variáveis, como crises passageiras, depressões temporárias e as singularidades de cada situação também podem interferir nesse cenário. O certo é que quase todos os casamentos que sobrevivem o fazem superando seus inevitáveis impasses. Mas para superá-los é necessário, antes, encará-los.

(Por Paulo Sternick; psicanalista; ed.858)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"Uma terça parte da vida é anulada numa semimorte, outra gasta em fazer mal a nós mesmos e aos outros e a última esboroa-se na expectativa. Esperamos sempre alguma coisa ou alguém - que vem ou não, que passa ou desilude, que satisfaz ou mata."


(Por Giovanni Papini (1881-1956), escritor italiano)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

"Pois o amor não é doce,
pois o bem não é suave,
pois amanhã, como ontem,
é amarga, a liberdade."


Cecília Meireles (1901-1964), poeta

domingo, 11 de abril de 2010

Enquanto lê a coluna

Creio que esta minha coluna é lida em aproximadamente três minutos.
Pois bem: segundo as estatísticas, neste espaço de tempo irão morrer 300 pessoas, e outras 620 nascerão. Talvez eu demore meia hora para escrevê-la: estou concentrado no meu computador, com livros ao meu lado, ideias na cabeça, carros passando lá fora.
Tudo parece absolutamente normal à minha volta. Entretanto, durante esses 30 minutos, três mil pessoas morreram, e 6.200 acabam de ver, pela primeira vez, a luz do mundo.
Onde estarão essas milhares de famílias que apenas começaram a chorar a perda de alguém, ou rir com a chegada de um filho, neto, irmão? Paro e reflito um pouco: talvez muitas dessas mortes estejam chegando ao final de uma longa e dolorosa enfermidade, e certas pessoas estão aliviadas com o Anjo que veio buscá-las.
Além do mais, com toda certeza, centenas dessas crianças que acabam de nascer serão abandonadas no próximo minuto e passarão para a estatística de morte antes que eu termine este texto.
Que coisa. Uma simples estatística, que olhei por acaso — e de repente estou sentindo essas perdas e esses encontros, esses sorrisos e essas lágrimas.
Quantos estão deixando esta vida sozinhos, em seus quartos, sem que ninguém se dê conta do que está acontecendo? Quantos nascerão escondidos, e serão abandonados na porta de asilos ou conventos? Reflito: já fui parte da estatística de nascimentos, e um dia serei incluído no número de mortos.
Que bom: eu tenho plena consciência de que vou morrer. Desde que fiz o Caminho de Santiago, entendi que — embora a vida continue, e sejamos todos eternos — esta existência vai acabar um dia. Mesmo que acreditemos em outras vidas, o que nos foi dado para viver é esse momento de agora.
As pessoas pensam muito pouco na morte. Passam suas vidas preocupadas com verdadeiros absurdos, adiam coisas, deixam de lado momentos importantes. Não arriscam, porque acham que é perigoso. Reclamam muito, mas se acovardam na hora de tomar providências.
Querem que tudo mude, mas elas mesmas se recusam a mudar.
Se pensassem um pouco mais na morte, não deixariam jamais de dar o telefonema que está faltando. Seriam um pouco mais loucas. Não iam ter medo do fim desta encarnação — porque não se pode temer algo que vai acontecer de qualquer jeito.
Os índios dizem: “Hoje é um dia tão bom quanto qualquer outro para deixar este mundo.” E um bruxo comentou certa vez: “Que a morte esteja sempre sentada ao seu lado.
Assim, quando você precisar fazer coisas importantes, ela lhe dará a força e a coragem necessárias.” Espero que você, leitor, tenha chegado até aqui e esteja consciente não apenas das estatísticas, mas de sua missão na Terra. Sim, todos nós cedo ou tarde vamos morrer.
Mas aceitar isso é a melhor maneira de estar preparado para a vida.


(por Paulo Coelho - Página 57 - Revista O Globo, 11/04/2010)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

“Que dilúvio, Deus de Noé! (...) a princípio não tive medo: cuidei que eram dessas chuvas que passam logo. Quando porém os elementos se desencadearam deveras, e as ruas ficaram rios, as praças mares, então supus que realmente era o fim dos tempos. As águas entravam pelas casas, outras desciam dos morros, cor de barro...”


Trecho de uma crônica de Machado de Assis publicada em abril em 1895 (resgatada ontem (07) no blog do escritor Affonso Romano de Sant’Anna)

terça-feira, 6 de abril de 2010

"Estamos na era do fast-food e da digestão lenta; do homem grande, de caráter pequeno; lucros acentuados e relações vazias."

George Carlin (1937-2008), comediante americano.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

"Quando refletimos sobre a brevidade e a incerteza da vida, quão desprezíveis parecem todos os nossos anseios de felicidade."


David Hume (1711-1776), filósofo escocês.

domingo, 4 de abril de 2010

"Lastima aquele que julga haver encontrado a felicidade. Inveja aquele que a procura e a abandonará, apenas a encontre. A única felicidade consiste em esperar a felicidade."

Musharrif al-Dîn Saadi (1213-1291), poeta persa.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Meu pai uma vez me disse que há dois tipos de pessoa: as que fazem o trabalho e as que ficam com os louros. Ele me disse para tentar ficar no primeiro grupo, pois há menos competição lá."

Indira Gandhi (1917-1984), primeira-ministra da Índia de 1966 a 1977 e de 1980 a 1984.