quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Entre às 23:59h de hoje e o primeiro segundo de 2016, já na contagem regressiva para a chegada do ano novo, estaremos inebriados de esperança - o sublime combustível da vida - e, possivelmente, nos atreveremos a acreditar que tudo aquilo que julgamos importante (saúde, trabalho, dinheiro, paz, amor,...) acontecerá para nosso deleite e usufruto.

A esperança é persistente. Sem ela não se levanta da cama. Mas para que essa pequena abertura no calendário cósmico universal - essa preciosa janela de oportunidade que se abre uma vez por ano a cada novo giro da Terra em torno do sol - dê efetivamente resultado, precisamos ir além dos pedidos. É bem verdade que eles emprestam sentido aos mais variados tipos de ritual e não há problema algum em pedir. Mas não podemos abdicar do poder que temos de transformar nossas vidas porque queremos, de construir nossos destinos porque desejamos, de encarar os desafios de frente porque é melhor assim, assumindo os riscos de ser o que se é.

Que a esperança não seja nossa única companhia à meia-noite de hoje. Convoquemos também a coragem, que nos põe em marcha para a conquista dos objetivos que sabemos importantes. E a fé, que nos empresta serenidade e lucidez principalmente nos momentos difíceis. Pronto, que venha o reveillon. 2016 tem tudo para ser um ano inesquecível. Depende de nós!

(André Trigueiro, jornalista, 
professor de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, 
escritor e comentarista da rádio CBN)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Na manjedoura

 Por Clarice Lispector

 Na manjedoura estava calmo e bom. Era de tardinha, ainda não se via a estrela. Por enquanto o nascimento era só de família. Os outros sentiam, mas ninguém via. Na tarde já escurecida, na palha cor de ouro, tenro como um cordeiro refulgia o menino, tenro como o nosso filho. Bem de perto, uma cara de boi e outra de jumento olhavam, e esquentavam o ar com o hálito do corpo. Era depois do parto e tudo úmido repousava, tudo úmido e morno respirava. Maria descansava o corpo cansado, sua tarefa no mundo seria a de cumprir o seu destino e ela agora repousava e olhava. José, de longas barbas, meditava; seu destino, que era o de entender, se realizara. O destino da criança era o de nascer. E o dos bichos ali se fazia e refazia: o de amar sem saber que amavam. A inocência dos meninos, esta a doçura dos brutos compreendia. E, antes dos reis, presenteavam o nascido com o que possuíam: o olhar grande que eles têm e a tepidez do ventre que eles são.

 A humanidade é filha de Cristo homem, mas as crianças, os brutos e os amantes são filhos daquele instante na manjedoura. Como são filhos de menino, os seus erros são iluminados: a marca do cordeiro é o seu destino. Eles se reconhecem por uma palidez na testa, como a de uma estrela de tarde, um cheiro de palha e terra, uma paciência de infante. Também as crianças, os pobres de espírito e os que amam são recusados nas hospedarias. Um menino, porém, é o seu pastor e nada lhes faltará. Há séculos eles se escondem em mistérios e estábulos onde pelos séculos repetem o instante do nascimento: a alegria dos homens.

Crônica de Clarice Lispector em seu livro "Para não esquecer", de 1978.