quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O bem dopado

Como um pequeno resfriado, o mal instalou-se em seu corpo sorrateiramente.
A garganta ardeu de leve após um jantar japonês de pés nus, sentiu o frio na ponta dos dedos, mas a fome não deixou que fosse apanhar as meias, que meias?, viera sem meias, sem cuecas tampouco, ou o sapato, mas sapatos não são permitidos aqui no tatame, ficam os pés frios, o excelente atum a derreter no esôfago é capaz de compensar o desequilíbrio, ele crê. Pois em casa a garganta ardeu, os seios da face preencheram-se do velho e renovado fluido, catarro, nome feio, porra. O homem tinha que estar forte para um grande evento no dia seguinte. Ao telefone, o clínico geral deu risada: faz um gargarejo com água e sal aí, Trimedal três vezes, tri.
Andou tomando, em farmácias de falácias, um mel com limão e própolis, medida concentrada, mas era de outra coisa que precisava: amor, e não havia amor naquele própolis, carinho talvez, mas o amor devia estar socado no fundo dalgum pilão velho, em rito de morte da felicidade, a farmacêutica atrás do balcão com as pupilas e as pílulas perdidas num céu qualquer com vapores de vodca ruim ou cerveja azeda.
O homem encheu-se de tudo. Cápsulas geriátricas Pharmaton, para tirar fadiga de velhinho, não a fadiga sexual, que de Viagra o homem não precisa, está até com tesão demais, mas neste dia público falta-lhe tônus, o ar não passa, é como se fosse morrer, querer morrer, melhor morrer, morrer melhora o mal, morrer é remédio para todas as dores, morrer é fruto dos melhores favores.
Mas não. Targifor C, dois duma vez, Trimedal e, por que não?, aquele Lexotan, que ninguém é de aço, o antidepressivo faz o estofo do espírito, e, na grande noite, caipiras de siriguela, cerveja gelada na garganta, e o ar úmido da noite do Rio.
Hoje o bem dopado homem escreve, descreve, a própria morte em vida. Morte vida.
Vida morta. Copenhague em desencanto.
Arruda pro ano que vem. Recesso nos tribunais, pra que recesso?, recesso o ano inteiro, recesso de grandeza, recesso de coragem, recesso de aragem, recesso de amor. Vem aí o ano novo, fodasefodase o homem dopado pensa, pororoca de fodasemhífen e sem por quê. 2010 vem aí, Copa, e daí?, eleição, quase um refrão, Dilmalulaserramarina, quem merece?, Brasil melhor é o que se quer, petróleo no oritimbó, Oriente merda, Ocidente indolente, e vamos lá que o Caneco é um repeteco de todas as efemérides das quais estamos com os respectivos sacos cheios, show no Canecão, é o cão.
Complicado é aturar o Reveilão. O velho revelho. Vai de branco? Vou de preto, celebrar aos pulos de arlequim o luto do mundo, a luta do Imundo, a fruta do nauseabundo, a bunda do defunto que colore as esquinas dos morros e dos asfaltos, os altos do Rio dos quais se vê nada além da inútil paisagem na passagem do transeunte, o desfrute do vazio em nossos peitos, o desrespeito pelos nossos despeitos, o desmando sem fim no ano que enfim.
Ah, cápsulas! Encapsulados estamos à espera de sabe-se-lá-o-quê. A garganta melhorou mas o bem dopado percebe que o mal é mais embaixo, buraco fundo, ferida antiga que, cada vez cutucada, sangra mais e não estanca, o homem queria uma estância, daquelas de tuberculosos, Hans Castorp, ficar lá até ter a certeza de que nada vai, nada vem, é só esperar o pneumotórax, pequeno raio-X guardado na carteira, souvenir que diz da morte, e depois dar umazinha com a doente sensual que também nunca vai sair de lá, o negativo da ferida no pulmão na cabeceira, fetiche da noite de Valpurgis.
O homem dopado sente o espírito entupido.
Existe Sorine para desentupir espírito? Ele olha pro violão, pro piano, que interesse têm esses amigos de cordas, de repente são apenas instrumentos, como é bom poder tocar um e fugir às insidiosas unhas da tigresa, qualquer hora eu volto a tocar, a cantar, subo a serra, Ibitipoca, vamos lá, esquecer a tumba que cá me acolhe com tanto calor e tanto amor, esta, eu tenho certeza, tumba, me ama, minha cama, a chama da minha vida, “amorteamo”, dizia um certo poeta, trocadilho definitivo, síntese de todos os impulsos.

(Por Arnaldo Bloch, edição de 19/12/2009)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Frase

"Quando o coração vence a batalha contra a razão, as portas para o mágico se abrem"


(Por Paulo Coelho, 30/12/2009)

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Frase do dia

"O maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante do idiota que quer bancar o inteligente"


(por Confúcio)

domingo, 27 de dezembro de 2009

Nunca imaginei um dia...

Até alguns anos atrás, costumava dizer frases como “eu jamais vou fazer isso” ou “nem morta eu faço aquilo”, limitando minhas possibilidades de descoberta e emoção.
Não é fácil libertar-se do manual de instruções que nos autoimpomos. Às vezes, leva-se uma vida inteira, e nem assim conseguimos viabilizar esse projeto. Por sorte, minha ficha caiu a tempo.

Começou quando iniciei um relacionamento com alguém completamente diferente de mim, diferente a um ponto radical mesmo: ele, por si só, foi meu primeiro “nunca imaginei um dia”. Feitos para ficarem a dois planetas de distância um do outro. Mas o amor não respeita a lógica, e eu, que sempre me senti tão confortável num mundo planejado, inaugurei a instabilidade emocional na minha vida. Prendi a respiração e dei um belo mergulho.

A partir daí, comecei a fazer coisas que nunca havia feito. Mergulhar, aliás, foi uma delas. Sempre respeitosa com o mar e chata para molhar os cabelos, afundei em busca de tartarugas gigantes e peixes coloridos no mar de Fernando de Noronha. Traumatizada com cavalos (por causa de um equino que quase me levou ao chão quando eu tinha 8 anos de idade), participei da minha primeira cavalgada depois dos 40, em São Francisco de Paula. Roqueira convicta e avessa a pagode, assisti a um show do Zeca Pagodinho na Lapa.

Para ver o Ronaldo Fenômeno jogar ao vivo, me inflitrei na torcida do Olímpico num jogo entre Grêmio e Corinthians, mesmo sendo colorada. Meu paladar deixou de ser monótono: comecei a provar alimentos que nunca havia provado antes. E muitas outras coisas vetadas por causa do “medo do ridículo” receberam alvará de soltura. O ridículo deixou de existir na minha vida.

Não deixei de ser eu. Apenas abri o leque, me permitindo ser um “eu” mais amplo. E sinto que é um caminho sem volta.

Um mês atrás participei de outro capítulo da série “Nunca imaginei um dia”. Viajei numa excursão, eu que sempre rejeitei essa modalidade turística. Sigo preferindo viajar a dois ou sozinha, mas foi uma experiência fascinante, ainda mais que a viagem não tinha como destino um país do circuito Elizabeth Arden (Paris-Londres-NovaYork), mas um país africano, muçulmano e desértico. Aliás, o deserto de Atacama, no Chile, será meu provável “nunca imaginei um dia” de 2010.

E agora cometi a loucura jamais pensada, a insanidade que nunca me permiti, o ato que me faria merecer uma camisa de força: eu, que nunca me comovi com bichos de estimação, adotei um gato de rua. Pode colocar a culpa no espírito natalino: trouxe um bichano de três meses pra casa, surpreendendo minhas filhas, que já haviam se acostumado com a ideia de ter uma mãe sem coração. E o que mais me estarrece: estou apaixonada por ele.

Ainda há muitas experiências a conferir: fazer compras pela internet, andar num balão, cozinhar dignamente, me tatuar, ler livros pelo Kindle, viajar de navio e mais umas 400 coisas que nunca imaginei fazer um dia, mas que já não duvido. Pois tem essa também: deixei de ser tão cética.

Já que é improvável que 2010 seja diferente de qualquer outro ano, que a novidade sejamos nós.

(por Martha Medeiros, rev.O Globo, pág. 22, edição de 27/dez/2009)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Natal é amor

Uma das coisas mais aflitivas para um colunista é escrever sobre o Natal. Por quê? Porque não há tanto assim a dizer sobre Natal, não é um assunto que estimule a imaginação, que permita desenvolver um novo enfoque a respeito, não é um acontecimento que surpreenda.
Nada é menos surpreendente do que o Natal. É a repetição instituída, a paz louvada anualmente, a certeza de que o mundo pode explodir lá fora, mas o Natal estará a salvo, assim como o jingle bell, a árvore enfeitada com bolinhas, o peru, os presentes, a missa do galo e o ho-ho-ho do Papai Noel. Pode um colunista corromper essa felicidade? Pode, mas não deveria.

Essa introdução não é para recomendar que tirem as crianças da sala. Não vou corromper nada, mas é bem verdade que pretendo falar de amor de um jeito enviesado. Vou comentar sobre o papel do Natal nas separações, ainda mais agora que o divórcio ficou facilitado por lei.

Lembro que uma amiga minha e o marido decidiram se separar numa linda noite estrelada de novembro, e a primeira providência foi manter tudo como estava até que passasse o Natal. Bem pensado. Não havia razão para entristecer as crianças na véspera de uma data tão significativa. Natal é amor e família reunida, por que estragar o encanto? Tiveram sua noite feliz. Felicíssima.

Em agosto passado, uma outra amiga me confidenciou que estava se divorciando. Lamentei por eles, ofereci ombro, aquela coisa toda, e aí ela me contou que iriam esperar passar o Natal para contar ao filho e se separarem de fato. Espera aí: seriam quatro meses até o Natal. E o filho tem 19 anos.

Fiquei pensando que essa história de “esperar o Natal” é o último prazo para mudar de ideia. Separar-se é uma atitude tão radical, tão difícil e tão protelada, que o Natal virou uma saída: o casal põe os pingos nos is, diz que nunca mais, que terminou, porém, sem certeza absoluta do que está fazendo, estabelece que a separação, por enquanto, vai ficar secreta, até que a passagem do Natal libere cada um para seguir nova vida. Até lá, serão diplomáticos e honrarão as aparências, ou seja: para que os filhos não reparem, continuarão a dormir no mesmo quarto e a ser gentis um com o outro. E descobrem-se gentis como nunca foram.

Não duvide: em abril algum casal sentará na sala para ter aquela conversa difícil e definitiva, e depois de pesarem prós e contras, fazerem acusações mútuas e concluírem que não dá mais, irão dormir chorando e, no dia seguinte, avisarão parentes e amigos que o casamento acabou. Aí é só dar um tempo para procurar outro apartamento e se acostumar com a ideia. Enquanto isso, a folhinha do calendário passará por maio, junho, julho e, chegando em agosto, ora, nada mais sensato do que esperar as festas de fim de ano.

O Natal é o maior aliado dos casais indecisos

(Por Martha Medeiros, revista O Globo, página 64, edição de 20/dez/2009)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O melhor e o pior do verão

"Você está experimentando um biquíni dentro de um cubículo e se achando uma orca, então dá uma viradinha e descobre que foi atacada por um bando de celulites selvagens"

O melhor: Colocar qualquer vestido, uma rasteirinha e ficar absolutamente encantadora.
Morar num país que tem um litoral com cerca de oito mil quilômetros de extensão.
Feriadão de carnaval (fugir do ziriguidum ou cair no samba, a escolher).

O pior: Experimentar biquíni em loja. Você entra num cubículo asfixiante com um espelho inimigo: impossível não se achar uma orca, e isso nem é o pior. O pior vem depois.

O melhor: Caipirinha, cerveja, champanhe.
Bicicleta, bermuda, chinelo de dedo.
Piscina, rabo-de-cavalo, água de coco.

O pior: Você está dentro de um cubículo asfixiante, experimentando um biquíni que serviria numa criança de 7 anos e está se achando uma orca, e então dá uma viradinha e descobre que foi atacada por um bando de celulites selvagens.

O melhor: Ar-condicionado funcionando.
Óculos escuros e sorrisos iluminados.
Dias mais compridos e noites estreladas.

O pior: Além de estar se sentindo uma orca e estar tomada por celulite não só nas pernas, mas também nos braços, a barriga resolveu cair por cima da calcinha. Péssima notícia para quem gosta de estender a canga na areia para deitar de costas. Nem que seja por meio segundo, você vai ter que ficar de quatro antes de se deitar. Seja rápida.

O melhor: Aquele seu amigo que vive mandando arquivos .pps e piadinhas pela internet está de férias numa pousada em Macapá que não tem computador.
Você sente menos fome.
A pele fica naturalmente bronzeada.

O pior: A cortininha do provador não fecha até o fim, e a atual mulher do seu ex-marido acaba de entrar na loja com seu corpinho de 1,74m e 53 quilos. E ela viu você. E abriu a cortina pra te dar um oi, a desqualificada.

O melhor: Tem um homem lindo esperando você na porta da loja, que por acaso é seu namorado e não dá a mínima para celulite e barriguinha, está mais interessado em dar muitos mergulhos, muitos beijos e curtir a natureza ao seu lado. Aí você lembra por que se separou — seu ex-marido odiava praia, odiava sol e odiava a vida, e então você cumprimenta a desqualificada com um sorriso iluminado e leva o biquíni.

(por Martha Medeiros, pág. 52, Revista O Globo, 06/dez/2009)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Palavras ao vento

Ando por aí querendo te encontrar
Em cada esquina paro em cada olhar
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar
Que o nosso amor pra sempre viva
Minha dádiva
Quero poder jurar que essa paixão jamais será

Palavras apenas
Palavras pequenas
Palavras

Ando por aí querendo te encontrar
Em cada esquina paro em cada olhar
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar
Que o nosso amor pra sempre viva
Minha dádiva
Quero poder jurar que essa paixão jamais será

Palavras apenas
Palavras pequenas
Palavras, momento

Palavras, palavras
Palavras, palavras
Palavras ao vento...

(Cássia Eller - Composição: Marisa Monte / Moraes Moreira)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Da minha precoce nostalgia...

Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de
domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de
Porto, dizer a minha neta:
- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado e sente-se aqui ao meu
lado. Tenho umas coisas pra te contar.
E assim, dizer apontando o indicador para o alto:
- O nome disso não é conselho, isso se chama corroboração!
Eu vivi, ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas
conclusões. E agora, do alto dos meus 82 anos, com os ossos frágeis a
pele mole e os cabelos brancos, minha alma é o que me resta saudável e
forte.
Por isso, vou colocar mais ou menos assim:
É preciso coragem para ser feliz. Seja valente.
Siga sempre seu coração. Para onde ele for, seu sangue, suas veias e
seus olhos também irão.
E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e obrigação.
Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer crescer,
mas a escolha entre ser uma grande menina ou uma menina grande, vai
depender só de você.
Tenha poucos e bons amigos. Tenha filhos. Tenha um jardim. Aproveite
sua casa, mas vá a Fernando de Noronha, a Barcelona e a Austrália.
Cuide bem dos seus dentes.
Experimente, mude, corte os cabelos. Ame. Ame pra valer, mesmo que ele
seja o carteiro.
Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse feito..."
Tenha uma vida rica de vida.
Vai que o carteiro ganha na loteria - tudo é possível, e o futuro é
imprevisível.
Viva romances de cinema, contos de fada e casos de novela.
Faça sexo, mas não sinta vergonha de preferir fazer amor.
E tome conta sempre da sua reputação, ela é um bem inestimável. Porque
sim, as pessoas comentam, reparam, e se você der chance elas inventam
também detalhes desnecessários.
Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho ou status.
A sabedoria convencional recomenda que você se case com alguém
parecido com você, mas isso pode ser um saco!
Prefira a recomendação da natureza, que com a justificativa de
aperfeiçoar os genes na reprodução, sugere que você procure alguém
diferente de você. Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no
olfato e desconfie da visão. É o seu nariz quem diz a verdade quando o
assunto é paixão.
Faça do fogão, do pente, da caneta, do papel e do armário, seus
instrumentos de criação. Leia.
Pinte, desenhe, escreva. E por favor, dance, dance, dance até o fim,
se não por você, o faça por mim.
Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação, sempre
fizeram o melhor que puderam, e sempre farão.
Cultive os amigos. Eles são a natureza ao nosso favor e uma das formas
mais raras de amor.
Não cultive as mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa
vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa tudo cinza.
Era só isso minha querida. Agora é a sua vez. Por favor, encha mais
uma vez minha taça e me conte: como vai você?

(Por Maria Sanz Martins, recebido por e-mail)

domingo, 15 de novembro de 2009

Botando pilha

"O momento de maior crise durante o apagão foi o de procurar, às escuras, duas pilhas AA que fizessem a traquitana funcionar"


Já escrevi aqui, não muito tempo atrás, que o porteiro eletrônico tinha sido a grande invenção do século XX. Precipitei-me. O apagão de terça-feira me fez ver que fui injusto, muito injusto, com a verdadeira grande invenção do último século. E passo a relatar o que me fez mudar de opinião.
O apagão me pegou quando nem bem tinha começado a minha novela mexicana favorita — tá bom, confesso, eu vejo novelas mexicanas. Seria uma noite sem TV.

Fui para o laptop, e cheguei a trocar emails com uma colega da redação: — Sem luz em Copacabana — enviei.

— Aqui no jornal também — ela respondeu.

— Foi em toda a cidade.
Preocupação. Em toda a cidade? Isso é grave. Deixei o correio eletrônico e fui para os sites de notícias. “Rio e São Paulo sofrem apagão”, manchetava um deles. Opa, é mais grave ainda. Não cheguei a ler a notícia pois... acabou a bateria do meu laptop.
Passei a me preocupar com os familiares.
Onde estaria cada um quando as luzes se apagaram? Telefone fixo nem pensar. Depende de energia elétrica. Apelei para o celular... sem sinal! Como é que é? Falta de energia elétrica pode tirar do ar os aparelhos de telefone celular? Alguém tem me enganado há muitos anos.
Como um homem das cavernas, dirigi-me ao único local onde poderia obter alguma informação: a janela.
A vizinha do lado deu a primeira informação: — No Recife tem luz.
Menos mal.
A vizinha de baixo foi mais alarmista: — Niterói e Teresópolis estão sem luz.
Contribuí com a única notícia que tinha obtido nos meus poucos segundos na internet: — Blecaute também em São Paulo.
Acabou o assunto. Voltei para a caverna.
Família que pensa unida resolve os problemas unida. O integrante mais esperto da família lembrou-se de um radinho de pilha perdido em algum lugar da casa. Sempre que falta luz — o que não é tão raro assim aqui no Rio —, eu tomo várias resoluções: comprar uma lanterna, renovar o estoque de velas, adquirir um radinho de pilha.
Nunca fiz nada disso. Mas, já não me lembro por quê, há alguns meses ganhei um brinde — já não me lembro de quem — que era um pequeno alto-falante para laptops. Dependendo do botão que se apertar, o tal altofalante vira rádio. De pilha.
O momento de maior crise durante o apagão foi o de procurar, às escuras, duas pilhas AA que fizessem a traquitana funcionar.
Mais uma vez, a tarefa foi cumprida pelo integrante mais esperto da família. E...
fez-se o som!!!! A partir daí, passei a noite acompanhado do reconfortante som do noticiário de rádio sobre os problema na Itaipu Binacional, em Furnas e, melhor ainda, segui, pouco a pouco, a luz voltando ao Paraguai, a São Paulo, ao Leblon... Não tenho mais dúvidas: o porteiro eletrônico que me desculpe, mas a grande invenção do século XX é o rádio de pilha.


Por Artur Xexéo, pág.76, Revista O Globo, edição de 15/nov/2009.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Citações

"Os tempos primitivos são líricos, os tempos antigos são épicos, os tempos modernos são dramáticos." Victor Hugo (1802-1885), escritor francês.

sábado, 31 de outubro de 2009

A diferença de idade no relacionamento

Apesar da novela “Viver a Vida” apresentar como tema central o romance de um homem com uma mulher mais jovem, a diferença de idade nos relacionamentos ainda não é bem vista e aceita pela sociedade. Talvez pelo tema ainda ser polêmico é que ele ganhou destaque no horário nobre da televisão.

Quando nascemos a sociedade de um modo geral já tem planos e expectativas com relação ao nosso futuro, e conforme vamos crescendo somos automaticamente “guiados” pelo caminho que nos foi traçado. O único problema disso é que raramente nos perguntam o que queremos da vida, e esperamos para o futuro. É por esse motivo que quando nos relacionamentos com alguém que “foge do padrão” que nos foi determinado somos duramente repreendidos e discriminados.

Preconceitos maiores sofrem as mulheres que se relacionam com homens mais jovens. Além delas terem que lidar com os problemas comuns a qualquer relacionamento, têm que superar o preconceito dos amigos e até da própria família. Para muitas não é fácil enfrentar todos e assumir o relacionamento. Há casos em que ter que superar preconceitos une ainda mais o casal.

O comentário mais comum que se ouve a respeito da diferença de idade no relacionamento é o clássico: “Esse relacionamento é puro interesse.” Mas eu concordo com essa frase. É puro interesse sim. Interesse no amor, carinho, compreensão e afeto que o outro pode lhe proporcionar.

Interesse não é somente financeiro. Todo relacionamento, seja entre pessoas do mesmo sexo, de sexo diferente, jovens, idosas, brasileiras ou estrangeiras é baseado no interesse. Só nos “interessamos” por alguém que tem algo a nos oferecer, e esse “algo” pode ser amor, dinheiro, segurança, companheirismo, respeito, compreensão e etc. Então todo relacionamento é uma troca de interesses, já que a outra pessoa também tem interesse em você.

Com relação ao interesse financeiro o preconceito faz com que as pessoas acreditem que ele está presente somente quando há uma grande diferença de idade no relacionamento. Essa crença é errônea porque há muitas mulheres de 40 interessadas somente no dinheiro de homens de 40, homens de 25 interessados no status e na boa vida de mulheres e 25 e etc.

Outro mito a ser superado nessas relações é o de depois de certa idade as pessoas não são mais capazes de despertar a paixão nos outros e nem de iniciar um novo relacionamento.

Culturalmente por volta dos 18/20 somos “forçados” a começar a busca pelo parceiro (a) ideal, no mais tardar até os 30 anos deve ocorrer o casamento e depois dos 35 morremos como homem e mulher para viver como pai e mãe em período integral. Os casamentos devem ser preservados mesmo que um não mais suporte o outro. É por esse motivo que todos apontam o dedo para aqueles que escolhem ser felizes independentemente da idade e da fase de vida em que deveriam estar.

Na vida o importante é ser feliz e se sentir bem, sem se importar com o que vão falar, ou pensar de você. Procure agradar em primeiro lugar a si mesmo, porque se você se importar somente com os outro terá vivido outra vida e não a sua.

Por Milena Lhano
http://www.milenalhano.com.br/artigos/a-diferenca-de-idade-no-relacionamento/

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Quando o amor acaba

Vivemos constantemente em busca de alguém que nos ame, nos escute e nos faça sentirmos importantes, independentemente da beleza física. Muitas vezes essa procura é longa, mas um dia finalmente você encontra AQUELA pessoa, alguém que faça você se sentir no topo do mundo.
É parte natural do processo de desenvolvimento humano ir mudando de opinião, interesse e ritmo no decorrer da vida, e para que um relacionamento permaneça inabalável, é ideal que as duas pessoas mudem junto. Com o passar do tempo e da convivência percebemos que já não caminhamos mais lado a lado, e sim estamos indo em direção oposta um ao outro.
Chega então o dia em que o homem ou a mulher (quando não os dois) sente apenas um carinho pela outra pessoa, e não mais aquele fogo, aquela paixão arrebatadora. Fica o carinho e o respeito. A partir desse momento, essa pessoa começa a sentir o irreversível desejo de se apaixonar novamente. De sentir um frio na barriga, de suar frio, de tremer quando se aproxima da pessoa desejada.
“Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente.” (Martha Medeiros)
Aí então somos atingidos por uma tempestade de pensamentos negativos e todos os nossos traumas, inseguranças e sentimentos de solidão e de abandono que há tempos estavam esquecidos voltam a nos assombrar como fantasmas, fazendo o passado voltar a ser presente.
Quando agimos com humildade, e percebemos que aquela pessoa já não cabe mais na nossa vida (ou nós na dela), começamos a pensar que já estamos velhos demais para iniciar uma nova busca, que já não somos mais tão atraentes, que vai ser difícil alguém me aceitar como sou, e acabamos ficando estagnados, com medo de não encontrarmos outra pessoa e passarmos a vida inteira sozinhos, na mais completa solidão. Mas não é pior o sentimento de estar sozinho tendo alguém do seu lado?
Todos nós na vida temos o direito à felicidade de estar com uma pessoa que nos completa e nos faz sentir importante. Se um amor chegou ao fim, cabe aos dois seguirem suas vidas, cada um para o seu lado, e começarem a jornada em busca da felicidade. Nunca é tarde para encontrar o amor, a vida dos dá todas as oportunidades de seguir em frente, de cabeça erguida em busca daquilo que queremos.
Claro que nem sempre é fácil uma separação, mas se a angústia e o sofrimento deram lugar ao amor, porque continuar? Mesmo que seja muito complicado o processo de separação, talvez este seja o passo principal para que ambos possam começar a ter aquela velha alegria de volta.
Fomos feitos para amar e ser feliz e para isso que devemos viver, buscando o melhor para a nossa vida, sempre. Lembrando que sempre é hora de ser feliz, nunca, mas nunca é tarde demais. Temos sempre um novo dia pela frente, e devemos vivê-lo da melhor maneira possível.
“QUERO, UM DIA, DIZER ÀS PESSOAS QUE NADA FOI EM VÃO… QUE O AMOR EXISTE, QUE VALE A PENA SE DOAR ÀS AMIZADES E ÀS PESSOAS, QUE A VIDA É BELA SIM E QUE EU SEMPRE DEI O MELHOR DE MIM… E QUE VALEU A PENA” (Mario Quintana)
“TÃO BOM QUANTO MORRER DE AMOR, É CONTINAR VIVENDO.” (Mario Quintana)

(Por Milena Lhano)
Fonte: http://www.milenalhano.com.br/artigos/quando-o-amor-acaba/

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Quando os chatos somos nós

"O chato nada mais é que um exagerado.
Ele ama demais, é infantil demais, leva muito tempo para contar algo que aconteceu, fica hooooras no telefone, se leva a sério além do razoável"

Você conhece um chato. Ou dois. Ou meia dúzia. E até gosta deles, viraram figuras folclóricas na sua vida. Talvez seja um cunhado, um amigo de um amigo, um colega de trabalho. Os chatos são bem-intencionados, não se pode negar. E é justamente essa boa intenção fora da medida que faz deles... chatos. O chato nada mais é que um exagerado. Ele ama demais, ele é infantil demais, ele leva muito tempo para contar algo que lhe aconteceu, ele fica hooooras no telefone, ele se leva a sério além do razoável, ele ocupa o tempo dos outros com histórias que não são interessantes. O chato é, basicamente, um cara (ou uma mulher) sem timing.
Estava pensando nisso quando escutei alguém citando uma das coisas mais chatas que existem. Tive que concordar: colocar um filho pequeno no telefone pra falar com a dinda, com a vovó, com o titio, é muito chato. A gente ama aquela criança — talvez seja até o nosso filho! — mas ao telefone, esquece. Tentamos entabular um diálogo minimamente inteligível e nada rola. Ou ele não fala nada que se compreenda, ou não abre o bico, e só nos resta ficar idiotizados do outro lado da linha.

Todo mundo sabe que isso é chato. Mas todo mundo que já teve um filho comete essa mesma chatice com os outros. Por quê? Porque pai e mãe de primeira viagem são chatos por natureza. Ninguém escapa. Se não for chato, será considerado um sem-coração. Todos irão apontar: olha lá, aquele ali esconde o filho. Põe ele no telefone! Outra chatice é mostrar 3.487 fotos do bebê.

Dá nos nervos quando o filho não é nosso.
Todos os bebês são iguais, menos para seus pais. Seja bem sincero: dá pra aguentar ver foto de bebê pelo celular? Basta perguntar educadamente pra alguém: e seu filhinho, vai bem? Pronto. Num segundo o celular ou iPhone será sacado e apontado direto para seus olhos: veja você mesmo.
A gente sabe que é chato, mas toleramos com sorrisos parcialmente sinceros porque faremos a mesma coisa quando chegar a nossa vez — ou já fizemos um dia. Se você passou dessa fase, segure a onda e compreenda os que ainda não passaram. Nada de reclamar. Aqui se faz, aqui se paga.
Outras chatices? Quando alguém pergunta: lembra de mim? Se está perguntando, é porque a chance é remota. Mas já não fizemos isso diante de alguém que gostaríamos muuuuito que lembrasse? E quando a gente começa uma frase com “adivinha”. Adivinha pra onde eu vou nas próximas férias. Adivinha quem me convidou pra jantar. Adivinha com quem eu sonhei hoje.
Falando em sonho, tem coisa mais chata do que ouvir o sonho dos outros? Mas você já contou os seus. Váááárias vezes.
E esticar as letras das palavras quando se está escrevendo? Agora adivinha qual o próximo exemplo que vou dar. (Rsrs.) Precisamos mesmo colocar risadas entre parênteses para que os outros entendam nossas piadinhas cretinas? Alguns menos, outros mais, chatos somos todos.

(por Martha Medeiros; Revista O Globo, 25/10/2009, pág. 34)

sábado, 24 de outubro de 2009

Mais uma vez...




Mais uma vez eu vou te deixar
Mas eu volto logo pra te ver
Vou com saudades no meu coração

Mando notícias de algum lugar...

Eu sei, que muitas vezes te fiz esperar demais
Mas mesmo na distância o meu pensamento voa longe demais
Fico imaginando você sofrendo na solidão

Uoouuuu

Quando eu vou deitar penso em você em seu quarto dormindo

Ahhhh

Longe de você meu bem, longe da alegria
Longe de você meu bem, longe do nosso lar .... (2x)

Mais uma vez eu vou te deixar
Mas eu volto logo pra te ver
To com saudades no meu coração

Mando notícias de algum lugar...

domingo, 11 de outubro de 2009

Sua majestade, a criança

"Hoje, os adultos é que recebem ordens e reprimendas, e não demora serão colocados de castigo"

Tem se falado muito na falta de limites das crianças de hoje. A garotada manda e desmanda nos pais e estes, sentindo-se culpados pelo pouco tempo que ficam em casa, aceitam a troca de hierarquia — hoje, os adultos é que recebem ordens e reprimendas, e não demora serão colocados de castigo.
Segundo os pedagogos, precisamos voltar a dizer não para a pirralhada. É a ausência do não que faz com que meninas saiam de madrugada sem avisar para onde estão indo, garotos peguem o carro do pai sem ter habilitação e todos sejam estimulados a consumir descontroladamente, a não dar explicações e a viver sem custódia. Mas onde encontrar energia para discutir com filho? Pai e mãe se jogam no sofá e pensam: “Façam o que bem entenderem, desde que nos deixem quietos vendo a novela.” Alguns adultos defendem-se dizendo que é impossível dar limites, vigiar e orientar, tendo que sair de manhã para o batente e voltar à noite demolidos pelo cansaço. Compreendo, é complicado mesmo. Se existem uma liberalidade e uma agressividade maiores hoje entre as crianças, é claro que o fato de as mulheres terem entrado no mercado de trabalho e deixado em aberto o posto de rainhas do lar tem algo a ver com isso. Mas nem me passa pela cabeça estimular um meia-volta, volver. A sociedade avançou com a participação das mulheres e esse é um caminho sem retorno. O que compromete o destino de uma criança é não ter sido amada. E muitas não foram, mesmo com os pais por perto.
A falta de amor é a origem de grande parte das neuroses, psicoses e desvios de conduta. Uma criança que não se sentiu amada pode cometer erros de avaliação sobre si própria e cometer desvarios para alcançar uma autoestima que está sempre fora de alcance.
Não adianta o pai e a mãe passarem a mão na cabeça do filhote de vez em quando e repetir um “eu te amo” automático. A criança precisa se sentir amada de verdade, e as demonstrações não se dão apenas com beijos e abraços, e tampouco com proibições sem justa causa. O “não deixo, não pode” tem que ser argumentado. “Não deixo e não pode porque...” Tem que gastar o latim. Explicar. E prestar atenção no filho, controlar seus hábitos, perceber seus silêncios, demonstrar interesse pelo o que ele faz, pelo o que ele pensa, quem são seus amigos, quais suas aptidões, do que ele se ressente, o que está calando, por que está chorando, se sua rebeldia é uma maneira de pedir socorro, se está precisando conversar, se o que tem sentido é demasiado pesado pra ele, se precisa repartir suas dores, se está sendo bem acolhido pela escola, se não estão exigindo dele mais do que ele pode dar, se não foram transferidas responsabilidades para ele que são incompatíveis com sua idade, se há como entender e aceitar seus desejos, se ele está arriscando a própria vida e precisa de freio, se estamos deixando ele sonhar alto demais, se estamos induzindo que ele sonhe de menos, se ele está recebendo os estímulos certos ou desenvolvendo preconceitos generalizados. Dá uma trabalheira, mas isso é amar.
Algumas crianças são criadas por empregadas, ou seja, são terceirizadas e depois o psiquiatra que junte os cacos. Com amor, ao contrário, toda criança sente-se ilustríssima, majestade, vossa excelência, sem fazer mau uso do cargo. Será confiante e segura como um rei, não se violentará para agradar os outros (usando drogas ou imitando o que os outros fazem para ser aceita num grupo). Será o que é, afinada com o próprio eixo.
E se transformará num adulto bem resolvido, porque a lembrança da infância terá deixado nela a dimensão da importância que ela tem.

Por Martha Medeiros, Revista O Globo, 11/out/2009, Página 18

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sutilmente

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
Quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
Quando eu estiver fogo
Suavemente se encaixe

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce

Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti, dentro de ti

Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti (x2)

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce

Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti, dentro de ti

Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti (x4)


Skank
Composição: Samuel Rosa / Nando Reis

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Porque eu sei que é amor

Porque eu sei que é amor
Eu não peço nada em troca
Porque eu sei que é amor
Eu não peço nenhuma prova

Mesmo que você não esteja aqui
O amor está aqui
Agora
Mesmo que você tenha que partir
O amor não há de ir
Embora

Eu sei que é pra sempre
Enquanto durar
E eu peço somente
O que eu puder dar

Porque eu sei que é amor
Sei que cada palavra importa
Porque eu sei que é amor
Sei que só há uma resposta

Mesmo sem porquê eu te trago aqui
O amor está aqui
Comigo
Mesmo sem porquê eu te levo assim
O amor está em mim
Mais vivo

Porque eu sei que é amor


Titãs
Composição: Sérgio Britto e Paulo Miklos

sábado, 18 de julho de 2009

Sobre injustiça

"A injustiça somente pode ser combatida com três ações: o silêncio, a paciência e o tempo."


Trecho do pronunciamento do senador José Sarney, citando palavras do filósofo romano Lucius Aneu Séneca.

Fonte: Agência Senado, 17/jul/2009.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Aproveite bem o seu dia

Aproveite bem o seu dia
Por Adriano Silva | 04/06/2009 – Revista Exame


Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em um vôo da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação de oferecer a melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e o avião mergulha para a morte no meio do Oceano Atlântico. Sem que você perceba, ou possa fazer qualquer coisa a respeito, sua vida acabou. Numa bola de fogo ou nos 4 000 metros de água congelante abaixo de você naquele mar sem fim. Você que tinha acabado de conseguir dormir na poltrona ou de colocar os fones de ouvido para assistir ao primeiro filme da noite ou de saborear uma segunda taça de vinho tinto com o cobertorzinho do avião sobre os joelhos. Talvez você tenha tido tempo de ter a consciência do fim, de que tudo terminava ali. Talvez você nem tenha tido a chance de se dar conta disso. Fim.


Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar vestígios. Como se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar de emprego ou de expandir os negócios. Seu amor imenso pelos filhos e sua tremenda incapacidade de expressar esse amor. Seu medo da velhice, suas preocupações em relação à aposentadoria. Sua insegurança em relação ao seu real talento, às chances de sobrevivência de suas competências nesse mundo que troca de regras a cada seis meses. Seu receio de que sua mulher, de cuja afeição você depende mais do que imagina, um dia lhe deixe. Ou pior: que permaneça com você infeliz, tendo deixado de amá-lo. Seus sonhos de trocar de casa, sua torcida para que seu time faça uma boa temporada, o tesão que você sente pela ascensorista com ar triste. Suas noites de insônia, essa sinusite que você está desenvolvendo, suas saudades do cigarro. Os planos de voltar à academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo positivo) dos amores e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as dezenas de pequenos problemas cotidianos que você tinha anotado na agenda para resolver assim que tivesse tempo. Bastou um segundo para que tudo isso fosse desligado. Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes lhe pesou toneladas tenha se apagado. Como uma lâmpada que acaba e não volta a acender mais. Fim.

Então, aproveite bem o seu dia. Extraia dele todos os bons sentimentos possíveis. Não deixe nada para depois. Diga o que tem para dizer. Demonstre. Seja você mesmo. Não guarde lixo dentro de casa. Não cultive amarguras e sofrimentos. Prefira o sorriso. Dê risada de tudo, de si mesmo. Não adie alegrias nem contentamentos nem sabores bons. Seja feliz. Hoje. Amanhã é uma ilusão. Ontem é uma lembrança. No fundo, só existe o hoje.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Os ausentes

"Se não quiser participar, fique na sua: na sua casa, no seu canto, na sua respeitável solidão. Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada"

Eu não assisti ao programa, mas soube da história. O jornalista David Letterman recebeu Joaquin Phoenix para uma entrevista. O ator fez jus à fama de bad boy: não parou de mascar chiclete e só respondia com monossílabos e grunhidos, não facilitando o andamento da conversa. Letterman tentou, tentou e, como não conseguiu arrancar nada do sujeito, encerrou a entrevista com uma tirada que me pareceu perfeita: “Joaquin, uma pena que você não pôde vir esta noite.” Quando uma pessoa se dispõe a dar uma entrevista, tem que entrar no jogo: responder com generosidade ao que foi perguntado e valer-se de uma educação básica, caso tenha.

É bom lembrar que a maioria das entrevistas não é feita apenas para dar ibope ao programa, e sim para ajudar na divulgação de algum projeto do convidado. Ambos saem ganhando. Só quem não ganha é a plateia quando o convidado finge que está lá, mas não está. Madonna é até hoje o trauma da carreira de Marília Gabriela, pelos mesmos motivos.
Claro que há quem defenda a atitude de Phoenix com o argumento da “autenticidade”, mas existe uma sutil diferença entre ser autêntico e ser grosso. É muita inocência achar que podemos prescindir de uma certa performance social. Espero não estar ferindo a sensibilidade dos “autênticos”, mas de um teatrinho ninguém escapa, a não ser que queiramos voltar a viver nas cavernas.

Não sou de me irritar facilmente, mas acho um desrespeito quando uma pessoa faz questão de demonstrar que não compactua com a ocasião. São os casos daqueles que se emburram em torno de uma mesa de jantar e não fazem a menor questão de serem agradáveis.

Pode ser num restaurante ou mesmo na casa de alguém: estão todos confraternizando, menos a “vítima”, que parece ter sido carregada para lá à força. Às vezes, foi mesmo. Sabemos o quanto uma mulher pode ser insistente ao tentar convencer um marido a participar de um aniversário de criança, assim como maridos também usam seu poder de persuasão para arrastar a esposa para um evento burocrático.
Não importa a situação: saiu de casa, esforcese.

Não precisa virar o mestre de cerimônias da noite, mas ao menos agracie seus semelhantes com dois ou três sorrisos. Não dói.
Dentro da igreja, ajoelhe-se. No estádio de futebol, grite pelo seu time. Numa festa, comemore.
Durante um beijo, apaixone-se. De frente para o mar, dispa-se. Reencontrou um amigo, escute-o.
Ou faça de outro jeito, se preferir: dentro da igreja, escute-O. Durante um beijo, dispa-se.
No estádio de futebol, apaixone-se. De frente para o mar, ajoelhe-se. Numa festa, grite pelo seu time. Reencontrou um amigo, comemore.

Esteja, entregue-se.
Se não quiser participar, tudo bem, então fique na sua: na sua casa, no seu canto, na sua respeitável solidão. Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada.

(Por Martha Medeiros, Revista Globo, pág.30, publicado em 31/05/2009).

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Quatorze minutos de eternidade

Quatorze minutos de eternidade

De Ruy Castro:

Entre a hora presumida de entrada do Airbus A330 da Air France na zona de turbulência sobre o Atlântico e a última mensagem enviada pelo equipamento do avião, na noite de domingo, passaram-se 14 minutos. Se fosse só isso, já seria aterrorizante. Mas o tempo de apreensão, angústia e pavor a bordo pode ter sido ainda maior para os 228 passageiros e tripulantes.

É tempo de sobra para que, diante da iminência de morte, a vida -tudo que se fez e se disse, ou o que deixou de ser feito ou ser dito- passe várias vezes pela cabeça de uma pessoa, com uma definição de cinema. E com uma crueldade de Juízo Final, porque não há mais tempo para dizer ou fazer o que faltou.

Entre os que conseguem se manter íntegros em tal situação, há quem tente vencer o abismo rabiscando algo às pressas, descrevendo o avião em queda ou a aproximação das chamas, despedindo-se de parentes ou namorados, ou tentando deixar uma reflexão mais profunda. É uma tentativa desesperada de comunicar-se pela última vez, de fazer com que sua voz seja ouvida depois do nada.

Sabemos disso porque fragmentos dessas mensagens costumam ser encontradas em destroços de aviões caídos em terra. É por esses retalhos calcinados que nos damos conta de que o drama pessoal de cada vítima de um acidente aéreo é maior do que a fria estatística da soma dos mortos no mesmo acidente.

Na tragédia do voo AF 447, comovemo-nos com o casal rumo à lua-de-mel em Paris e com o alemão que iria tratar dos papéis para se casar com uma brasileira. Mas havia também empresários, professores e executivos, que viajavam a negócios, a estudos ou para receber prêmios -enfim, para um luminoso futuro próximo. E outros cujas histórias pessoais, talvez riquíssimas, nunca chegaremos a conhecer.

Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/06/03/quatorze-minutos-de-eternidade-192178.asp

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O amor não é regra, é exceção, e não surge na pressa, exige tempo

Dirigido por Ken Kwapis (51), o filme Ele não Está tão a fim de Você, com as belas atrizes Scarlett Johansson (23) e Jennifer Aniston (40), liderou as bilheterias na primeira semana de exibição no Brasil. Na certa, tocou o coração de mulheres que sofrem iludindo-se com homens evasivos, cheios de pretextos para não selar uma relação. Muitas parecem até adotar a máxima "me engane que eu gosto". O dilema, no entanto, não é só delas: os homens também podem demorar a sentir a ficha cair quando as mulheres, inversamente, fazem o jogo da sedução e depois mostram que não querem levar nada a sério.

O que nem todos conseguem perceber, tanto no filme como na vida real, é que o amor - aquele que se torna consistente - surge sempre como exceção, uma singularidade. Por isso poetas o cantam, as lágrimas correm em sua vigência e as famílias se unem em festas de 10, 50 ou 400 talheres.

Mas os encontros da atualidade foram, de forma geral, liberados de quase todos os rituais solenes de outrora, do valor sagrado da união, e quase banalizados por um tempo que é capaz de esvaziar de sentido até o milagre da sintonia. Na correria dos tempos modernos e dos fast-food, na luta árdua pela sobrevivência material, nem sempre os pombinhos têm paciência com os demorados trâmites do amor. Afinal, a pulsão urge, o desejo pulsa, a falta aumenta e a solidão assusta. Há um convite invisível e anônimo à pressa. Os encontros ocorrem como num passe de mágica, como se Deus soubesse o que estava faltando e se incumbisse de providenciar - num happy hour, na balada, no barzinho. Então, a cara-metade surge, de repente, e é preciso não perder a chance de agarrá-la.

É verdade que muitos amores começam mesmo por acaso, crescem a partir de transas superficiais, se eternizam quando menos se espera. Mas também é verdade que, na maioria das vezes, relações assim iniciadas não passam mesmo de encontros casuais de ficantes desesperados, maiores abandonados em noites de alta liquidez. Alguns não percebem a diferença e passam por dissabores. O amor, não custa repetir, é exceção, e além disso costuma ser fruto da paciência, da repetição, da vontade de se rever e de prestar atenção aos sentimentos do outro.

Os paradoxos da atualidade fazem até de um filme água-com-açúcar como Ele não Está tão a fim de Você um meio de reflexão sobre o amor, suas possibilidades e dissabores. Seu enredo acaba por contribuir para uma discussão sobre os malentendidos frequentes das relações de nossa época. Época, aliás, em que as liberdades e as ilusões são tantas que convém prestar atenção em certos riscos. Há poucas semanas uma revista de circulação nacional publicou entrevista com o psicólogo canadense Robert Hare (74), um dos maiores especialistas do mundo em psicopatas e perversos - aquele tipo de indivíduo a quem se costuma chamar de "mau-caráter". Muita gente sofre com possuidores desse distúrbio. "O psicopata é como o gato", explicou Hare, "que não pensa no que o rato sente. Ele só pensa em comida. A vantagem do rato sobre as vítimas do psicopata é que ele sempre sabe quem é o gato". Como Jerry, do desenho animado Tom & Jerry. Essa é uma lição interessante para quem não deseja ser presa fácil e cair na rede do sofrimento inútil: ser um pouco mais esperto, como Jerry, e informar-se sobre as intenções de seu gato - ou gata.

(por Paulo Sternick, psicanalista no Rio de Janeiro, texto publicado em 12/mai/2009, Rev. Caras)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Mais uma vez

Mais Uma Vez
Marisa Monte

Mais uma vez eu vou te deixar
Mas eu volto logo pra te ver
Vou com saudades no meu coração

Mando notícias de algum lugar...

Eu sei, que muitas vezes te fiz esperar demais
Mas mesmo na distância o meu pensamento voa longe demais
Fico imaginando você sofrendo na solidão

Uoouuuu

Quando eu vou deitar penso em você em seu quarto dormindo

Ahhhh

Longe de você meu bem, longe da alegria
Longe de você meu bem, longe do nosso lá á á á .... (2x)

Mais uma vez eu vou te deixar
Mas eu volto logo pra te ver
To com saudades no meu coração

Mando notícias de algum lugar...

Eu sei, que muitas vezes te fiz esperar de mais
Mas vejo na distância o meu pensamento voa longe demais
Fico imaginando você vivendo na solidão

Uoouuuu

Quando eu vou deitar penso em você em seu quarto dormindo

Ahhhh

Longe de você meu bem, longe da alegria
Longe de você meu bem, longe do nosso lá á á á .... (2x)

sábado, 2 de maio de 2009

Os filhos

Os Filhos
(Do Livro "O Profeta", do poeta libanês Khalil Gibran)

Uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."
E ele falou:

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.

terça-feira, 14 de abril de 2009

O amor que a vida traz

"E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada o amor solicitado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase"

Você gostaria de ter um amor que fosse estável, divertido e fácil. O objeto desse amor nem precisaria ser muito bonito, nem rico.

Uma pessoa bacana, que te adorasse e fosse parceira já estaria mais do que bom. Você quer um amor assim. É pedir muito? Ora, você está sendo até modesto.

O problema é que todos imaginam um amor a seu modo, um amor cheio de pré-requisitos.

Ao analisar o currículo do candidato, alguns itens de fábrica não podem faltar. O seu amor tem que gostar um pouco de cinema, nem que seja pra assistir em casa, no DVD. E seria bom que gostasse dos seus amigos. E precisa ter um emprego seguro. Bom humor, sim, bom humor não pode faltar. Não é querer demais, é? Ninguém está pedindo um piloto de Fórmula 1 ou uma capa da “Playboy”. Basta um amor desses fabricados em série, não pode ser tão impossível.

Aí a vida bate à sua porta e entrega um amor que não tem nada a ver com o que você queria. Será que se enganou de endereço? Não. Está tudo certinho, confira o protocolo.

Esse é o amor que lhe cabe. É seu. Se não gostar, pode colocar no lixo, pode passar adiante, faça o que quiser. A entrega está feita, assine aqui, adeus.

E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada o amor solicitado.

E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego. Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o certo era aquele outro que você havia encomendado, mas a vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e conformese, saboreie esse presente, esse suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que nem lhe pertence. Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu. Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no elevador, o amor que era pra não vingar e virou compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja — ah, este me serviu direitinho! Aquele amor discretinho por você tão sonhado vai parar na porta de alguém para o qual um amor discretinho costuma ser desprezado, repare em como a vida é astuciosa. Assim são as entregas de amor, todas como se viessem num caminhão da sorte, uma promoção de domingo, um prêmio buzinando lá fora, mesmo você nunca tendo apostado. Aquele amor que você encomendou não veio, parabéns! Aproveite o que lhe foi entregue por sorteio.

(por Martha Medeiros, 12/abril/2009, pág.22)

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Domingo de Páscoa

"Ovos de chocolate escondidos no jardim e a família à mesa em volta de uma bacalhoada não fazem parte das minhas lembranças remotas. Natal, sim"

Tive uma educação, digamos assim, ecumênica.

Fiz o primário em colégio leigo, cursei o ginásio numa escola católica e completei o científico num instituto protestante.

E, se tem alguém aí do lado que não sabe o que é primário, ginásio e científico, que pergunte para o seu avô, que deve regular comigo de idade.

No científico, entre a primeira e a segunda aulas, todas as turmas se reuniam num auditório onde, durante o que era chamado de “assembleia”, pastores pregavam sua fé lendo trechos do Novo Testamento. Eu aproveitava para completar o sono interrompido para estar na escola às sete da manhã. No primário, nem sabia que em algumas instituições havia aulas de religião.

No ginásio, aí, sim, os irmãos maristas me pegaram de jeito.

Devo ter sido o pré-adolescente mais carola de toda a história da carolice nacional.

Aos domingos, não perdia uma missa das seis na Igreja de São Judas Tadeu (estou falando de um tempo em que morava em São Paulo). Era imbatível no concurso anual de redação sobre a vida do padre Marcelino Champagnat. Durante a Quaresma, era o único da família que não comia carne às sexta-feiras... quer dizer, único, não. Do Rio, pelo telefone, minha vó, uma carola de velha cepa, controlava minhas tentações.

Confessava uma vez por semana, comungava todos os domingos e respeitava os feriados santos. Mas, por uma estranha razão, não consigo me lembrar de festejos lá em casa no Domingo de Páscoa.

Ovos de chocolate escondidos no jardim e a família à mesa em volta de uma bacalhoada não fazem parte das minhas lembranças remotas. Natal, sim. O Natal lá em casa durava quase um mês, se contarmos o período entre o começo dos preparativos e a orgia gastronômica e etílica que culminava na noite de 24 de dezembro. Mas os Xexéos, definitivamente, não se ligavam na Páscoa.

E foi assim por um bom tempo. Até que, quando eu já era um adulto barbado, meu pai adquiriu uma obsessão: me presentear, todos os anos, com um ovo de Páscoa. Não tinha para mais ninguém. Ele não comprava ovos para os netos, para os bisnetos, nem para os outros filhos. Achava que eles já tinham de quem ganhar. Mas eu, não. Ele supria essa falta. E eu passei a comemorar a Páscoa, com o ovo de chocolate de meu pai, até ele morrer. Não tive tempo de sentir muita falta. Na primeira Páscoa sem meu pai, minha mãe apareceu lá em casa. E foi direto para a cozinha preparar um arroz de bacalhau.

A receita não era complicada: arroz, bacalhau desfiado, ovos mexidos, azeitonas, salsinha, batatas fritas de pacote e muito azeite. Era só misturar tudo. Ela cozinhava aquilo com a compenetração de quem estava mantendo uma tradição secular. E eu passei a comemorar a Páscoa, com o arroz de bacalhau de minha mãe, até ela morrer.

E agora eu mantenho a tradição. Hoje, lá em casa, vai ter chocolate, que eu mesmo compro, e o arroz de bacalhau, que eu mesmo faço. É um jeito de conciliar a data com as saudades de meus pais. Boa Páscoa!

(por Artur Xexéo, 12/abril/2009, pág.50)

domingo, 22 de março de 2009

Caminhos de outono

Se tudo deu certo, é outono desde sexta-feira.

Será um motivo para comemoração? Confesso que, para mim, é. Como explica a Wikipédia, o outono “é caracterizado por queda na temperatura e pelo amarelar das folhas das árvores”. Admito que não aguardava com ansiedade o amarelar das folhas da árvores, mas andava muito interessado na queda da temperatura.

Para grande parte do planeta, o outono é uma estação melancólica. Lembra um filme de Bergman com trilha sonora de Schumann.

Não foi por acaso que Drummond disse que o outono não é uma estação da natureza, mas uma estação da alma. E a alma, no caso, é deprimida. Outono é sempre associado à metade final da vida. À metade decadente. Lembro-me de uma novela de televisão, no comecinho da TV Globo, que tratava do amor entre um casal, digamos, já passado. Ele era interpretado por Walter Forster e Yara Lins. Forster, na época, deveria estar com uns 40 e poucos anos; Yara, recém tinha atingido os 30. Mas, na época em que a Globo estava começando, isso era praticamente terceira idade.

O nome da novela? “Paixão de outono”.

Conheci uma “casa de repouso” — eufemismo para “asilo para velhos” — chamada “Jardim de outono”.

Se já falamos de Drummond, não custa lembrar Quintana. Ele também tinha suas ideias sobre o outono: “O outono toca realejo/ No pátio da minha vida/ Velha canção sempre a mesma/ Sob a vidraça descida.” Não é conveniente interpretar Quintana ao pé-da-letra — pensando bem, o melhor é não interpretar nada ao pé-da-letra —, mas... outono tocando realejo, velha canção, vidraça descida... é o ocaso de uma vida, não? Outono e velhice estão ligados para sempre por causa das tais folhas amareladas da Wikipédia. Renascimento, só duas estações depois, na primavera. Para quem mora no Rio, porém, a associação é uma injustiça. É exatamente no outono que a cidade fica mais agradável, mais jovial. Não é frio ainda, mas aquele calor perturbador do alto verão já não existe. É quente sob o sol, fresquinho à noite. Há quem bata palmas para o pôr-do-sol no Arpoador nos meses do começo do ano. Mas é justamente no fim de março, em abril, no começo de maio que a despedida do dia fica mais bonita. E a luz? Em que outra estação do ano há uma luz tão deslumbrante quanto a luz do outono carioca? E, verdade seja feita, nas folhas de amendoeira que costumam cobrir as calçadas nesta época do ano, a gente até encontra uma ou outra amarelada. Sem melancolia.

Apesar da oportunidade jornalística provocada pela data, pode-se sempre perguntar por que o colunista resolveu escrever sobre o outono. Não sei se terei resposta.

Voltando à poesia de Mario Quintana, aquela do realejo, da velha canção, da vidraça descida, reproduzo seus últimos versos: “Mas os caminhos de outono/ vão dar a parte alguma.” Esta crônica também.

(por Artur Xexéo, 22/março/2009, pág. 52)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Caso Sean: assim é se lhe parece

Tenho acompanhado, primeiro pela internet e agora por todos os cantos, a história do Sean, o garoto que vem sendo disputado pelo pai americano e pela família brasileira. E cheguei, finalmente, à minha conclusão definitiva: um bom juiz de vara de família é criatura que, ao morrer, merece ir direto para o céu, sem escala, com todas as mordomias da Primeira Classe! Uma coisa é discutir o caso na mesa de um bar, nas caixas de comentários dos blogs ou mesmo aqui nesta crônica, opinião amplificada porque sai no jornal, mas, ao fim e ao cabo, só isso, uma opinião. Outra, bem diferente, é ter de tomar a decisão real que vai afetar, de forma dramática, a vida dos envolvidos. Ouve-se um lado, e os fatos são incontestáveis; ouvese o outro, e é claro que tem toda a razão; ouvese um terceiro e é por aí mesmo; e assim sucessivamente. Pirandello perde.
Como quase todo mundo, acho que o ideal para o garoto seria que o pai americano e a família brasileira entrassem em acordo, e que ele pudesse transitar livremente de um lado para outro, de um país para outro. Ao que tudo indica, Sean não corre maiores riscos, nem nos Estados Unidos, nem aqui: afinal, se a briga está acontecendo, é, em tese, por excesso, e não falta de amor.
De qualquer forma, antes de ir adiante, aviso: não sou nada imparcial em relação ao caso.
Ao contrário de quase todo mundo, pelo menos nas campanhas histéricas que vejo na internet, torço, e torço muito, para que o menino possa continuar no Brasil. Aqui estão as referências afetivas que lhe restaram da mãe; além disso, entre a família nuclear (pai, mãe, filhos) e a grande família (pai, mãe e filhos, mais tios, primos, avós e quem mais houver) sou, sempre, por esta. Tenho uma visão latina da vida: quanto mais gente houver em torno de uma criança, sobretudo de uma criança órfã, melhor. Vocês conhecem o provérbio africano, não é? “É preciso uma aldeia para fazer um homem”. Pois. Acredito nele.
Acho que seria uma barbaridade arrancar do Brasil, sem mais nem menos, um menino que viveu aqui a maior parte da vida, e a sua formação essencial. E acho que talvez tenha sido por isso que, desde o começo, fiquei com um pé atrás em relação ao pai, que logo após a morte da ex-mulher já estava aqui para levar a criança embora, depois de passar anos sem vê-la. Acrescentar ao trauma da perda da mãe a perda da família, da irmã recém-nascida, dos amigos, da escola e da cidade não me pareceu ato de quem tivesse o bem-estar do menino em mente.
Também não sou imparcial porque sou avó, e porque não consigo deixar de me solidarizar com uma mulher que, depois de passar pela dor de perder a filha tão jovem, e de um jeito tão estúpido, agora é ameaçada de perder o neto para um homem que lhe é praticamente um desconhecido. Eu também lutaria pelo meu neto, ora se não.
Tirando isso, há certas coisas que me desagradam profundamente nessa história, a começar pela forma midiática com que o pai passou a se manifestar e a expor o filho ao público, uma vez desaparecida a mulher que poderia contradizê-lo. A essa altura, aliás, uma das principais acusações que lhe faz o lado brasileiro, a de ser um desempregado, já não faz qualquer sentido. Ele virou pai profissional e, quer recupere Sean quer não, certamente escreverá um livro sobre a sua luta, e venderá os direitos para o cinema; dará palestras motivacionais muito bem pagas e, como é bonito, receberá convites para fazer anúncios de produtos diversos. Desconfio, ainda, do caráter panfletário com que o caso vem sendo conduzido nos Estados Unidos, dos políticos que estão aproveitando a chance para fazer média com o eleitorado, e da evidente satisfação com que gringos que nada têm a ver com o caso correm, feito hienas, para os seus quinze minutos de fama.
Mas o que me deixa mesmo indignada é a covardia e a falta de respeito dos ataques feitos à mãe, que morreu e não pode se defender.
O que é isso?! Em que mundo estamos?! Fico revoltada com a falsidade dos que se declaram fervorosos defensores da lei, da moral e dos bons costumes, e que não hesitam em julgar e condenar essa moça que, certamente, agiu motivada por puro desespero.
Não conheci a Bruna, mas não acredito nem um pouco no conto de fadas descrito pelo pai.
O que eu sei, com certeza, é que uma mulher feliz não larga o marido, mesmo que esteja morando numa cabana sem aquecimento na Sibéria, e que esteja se matando para sustentar a família. Quem acredita nisso consegue acreditar em qualquer coisa, até nas boas intenções de um pai que vem sete vezes ao Brasil e que não vê o filho.

H-e-l-l-o-o-u?! Se alguém levasse um dos meus filhos para outro país e eu conseguisse chegar até aquele país, duvido, mas duvido muito, que houvesse força capaz de me impedir de vê-lo. Eu acamparia em frente à casa, me deitaria no caminho do ônibus escolar, escalaria o prédio — em suma, faria tal banzé que, mais hora menos hora, alguém teria de tomar conhecimento da coisa. Encontrem os seguranças que a família contratou para amarrar e amordaçar o pai e aí vamos descobrir se, de fato, alguém o impediu de fazer o que quer que fosse.
Por outro lado, chego a achar comovente a luta de João Paulo Lins e Silva. Conheço muitos pais biológicos que não fariam metade do que está fazendo para ficar com Sean. Seria tão mais simples dar de ombros e entregá-lo ao pai biológico! Em vez disso, ele está aguentando o peso de ser transformado em vilão e de ver o nome da sua família no centro de uma campanha sistemática de demolição. É um alvo fácil, o rapaz. É advogado, é rico, é conhecido: pau nele! Mas eu me pergunto: se ele se chamasse João das Couves e fosse marceneiro, professor ou entomologista, de que lado estaria a opinião pública? Vocês decidem.

(Por Cora Ronai, O Globo, Segundo Caderno, pág.10, 19/03/2009)

terça-feira, 17 de março de 2009

A alegria do carnaval deveria ser de todos

Quarta-feira de cinzas. Vocês sobreviveram? Sempre procuro sair do Rio de Janeiro nessa época mas, em 2009, por diversos motivos, fui obrigado a permanecer na cidade.

Morando no bairro que concentra a maior quantidade de blocos, convivi com a batucada de praxe e o insuportável cheiro de urina que emana das ruas. Ruas que foram literalmente fechadas para blocos, ignorando o direito de ir e vir dos moradores. Aliás, a duvidosa alegria da turba sempre acha que pode se sobrepor ao direito individual de quem não quer brincar... E, na prática, acaba mesmo se sobrepondo, com o apoio de autoridades mais interessadas em tudo o que lhes parece popular e o silêncio resignado de quem se sente desrespeitado.

Nada contra quem gosta de brincar e pular. Entretanto, muitos cariocas acham que brincar significa fechar ruas estritamente residenciais, quebrar bancas de jornais, mijar na portaria de prédios, arrumar confusão com o folião que está ao lado, e por aí vai. Se é assim, torna-se necessário colocar limites razoáveis para o próximo ano. Que tal colocar a Guarda Municipal e a Polícia Militar para efetivamente reprimir quem suja a rua, incluindo mijões e camelôs? Que tal proibir blocos em ruas residenciais que simplesmente não comportam esse tipo de manifestação?

Uma pequena e pontual "regulação" do carnaval permitiria a saudável brincadeira de quem quer brincar, sem atrapalhar o sono dos justos, que só querem descansar.

(Por Renato Pacca - 25/2/2009 - 16:41)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Baderna cerebral

Sobre o que mesmo que eu quero escrever? Vou lembrar, só um pouquinho. Calma... Calminha... Espere um instante...

Lembrei. Quero escrever sobre uma piada que a cada dia se propaga mais entre as rodas de amigos. Pessoas trocam palavras, esquecem nomes, se perdem no meio das frases e, pra se justificar, dizem: é o “alemão” se manifestando.

Alemão é o apelido do Alzheimer, e quá quá quá, todos acham a maior graça da brincadeira, mas eu já não estou achando graça nenhuma.

Outro dia assisti na tevê a uma entrevista de um neurologista que dizia, entre outras coisas, que as mulheres têm uma memória melhor do que a dos homens. Estou em apuros. Comentei com uma amiga que está na hora de eu fazer uma vasculhagem cerebral, marcar meia dúzia de tomografias e enfrentar o diagnóstico, seja ele qual for. Ela comentou que sente vontade de fazer o mesmo, mas que não tem coragem, porque é certo que algum curto-circuito será detectado: não é possível tanto esquecimento, tanto branco, tanto abobamento. Acontece com ela, acontece comigo, e com você aposto que também, ou você não lembra? Alzheimer é doença séria, mas, que me conste, ainda não virou epidemia. O que vem sucedendo com todas (to-das!) as pessoas com quem converso é, provavelmente, uma reação espontânea a esse ritmo vertiginoso da vida e a esse turbilhão de informações que já não conseguimos processar. Chute meu, óbvio.

Meu diploma é de comunicadora, não de médica. Mas creio que o motivo passa por aí: nosso cérebro está sendo massacrado por uma avalanche de nomes, números, datas, rostos, fatos, cenas, frases, fotos, e isso só pode acabar em pane.

Coisa da idade? Então me explique o fenômeno que relatarei. Semana passada minha filha de 17 anos disse o seguinte: “Ontem a gente vai dormir na casa da Gabriela, mãe.” Ontem vocês irão onde, minha filha? Ela caiu na gargalhada. “Putz, quis dizer amanhã! Amanhã a gente vai dormir na casa da... ” Dezessete escassos aninhos e uma overdose de horas de navegação no mundo alucinógeno do MSN, MySpace, YouTube, Orkut e grande elenco. Só pode ser efeito colateral da informática, ou ela também já entrou pra turma das desvairadas? Pode ser apenas mal de família. É uma hipótese, porém, tenho reparado que é mal não só da minha, mas de todas as famílias do planeta Terra. O que é que está me escapando? Afora muitas palavras difíceis e também as fáceis, muitos verbos complicados e também os de uso contínuo, muitos nomes desconhecidos e também os de parentes em primeiro grau, nomes de cidades distantes e o da cidade em que me encontro agora — Porto o quê, mesmo? —, o que está me escapando é uma explicação decente.

O que é que está acontecendo com a gente?

(por Martha Medeiros, O Globo, 15/03/2009)