domingo, 24 de novembro de 2013

Com frutas

Yuri é um daqueles russos que só estavam esperando o fim do comunismo para ficar multimilionários. Ouvira dizer que o lugar no mundo para se conhecer mulheres sensacionais era o Brasil. Fez um curso rápido de português, o bastante para não se perder ou ser enganado no Rio, e veio.

 *
 No avião a caminho do Rio, Yuri sentou-se ao lado de um brasileiro, e quis a sorte que fosse um brasileiro gaiato. Uma das comissárias de bordo do avião era belíssima e quando começaram a servir o café da manhã antes da aterrissagem no Galeão, Yuri virou-se para seu companheiro de voo e perguntou:
 - Como se diz "quero fazer sexo com você" em português?
 - Iogurte - disse o brasileiro.
 Quando chegou a sua vez de pedir à aeromoça o que queria com seu café, Yuri disse depressa:
 - Iogurte!
 E a aeromoça:
 - Com frutas ou natural?
 E Yuri, radiante, se convenceu que estava vindo para o lugar certo.


 * Relatório. Mateus não era um simplório. Era um homem inteligente e bem informado. O que não significa que não tenha ficado intrigado, sem saber se era verdade mesmo ou brincadeira, quando sua mulher Dalinda disse que tinha recebido um relatório da CIA a seu respeito.
 - Cumé?
 - O serviço de espionagem americano tem seguido todos os seus passos.
 - Que bobagem é essa, Dalinda? Por que os americanos iriam se interessar por mim?
 - Eu pedi.
 - O quê?!
 - Eu pedi. Gravações 24 horas por dia, todos os dias. Neste momento tem um satélite americano contando os seus fios de cabelo.
 - Vai me dizer que a CIA trabalha para você?
 - Eles fazem serviço pra fora. Espionam qualquer um, por uma módica quantia. É uma das maneiras que têm de financiar o programa.
 - De qualquer maneira, eu não fiz nada suspeito. Eles não tem o que espionar.
 - Não é o que diz o relatório.
 - Quero ver esse relatório.
 - Nem pensar.
 - Você está blefando, Dalinda.
 - Acredite o que quiser.

 Matheus deu uma gargalhada. Com quem a Dalinda pensava que estava tratando? Ele não era um simplório. Mas a verdade é que tem ficado mais em casa, cortou os encontros com a Suzette às quintas-feiras e volta e meia olha para o alto, tentando ver alguma coisa.

 Com frutas - Luís Fernando Veríssimo - publicado em 24/11/2013, no jornal O Estado de S.Paulo

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

“Os mais fortes de todos os guerreiros são estes dois: Tempo e Paciência” 
Por  Liev Tolstói - um dos grandes autores da literatura mundial 

domingo, 10 de novembro de 2013


Se você jogar um sapo na água quente, ele certamente pulará fora. Pode ser um sapo, mas sabe que o ambiente é hostil e provoca sofrimento. Porém, se você colocar um sapo na água fria e esquentá-la devagar, aos poucos, ele não perceberá a mudança de temperatura. Quando menos espera, ele morre cozido. Não reage à mudança porque não a percebe. Não entra em crise: entra em marasmo. É o que acontece conosco. Somos salvos pela crise porque reagimos a ela. Caso contrário, morremos lentamente, enganados pelo calorzinho do conforto proporcionado pela estabilidade e pela conformidade. Saia dessa. A crise é um poço com uma mola no fundo. Pule com gosto! Por Eugenio Mussak - Professor, escritor e palestrante especialista em temas relacionados ao comportamento humano e liderança   

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

"Reclama da vida quem está bem, quem está mal serra os dentes e segue em frente."

(Gustavo Zerbino, um dos 16 sobreviventes do acidente aéreo em outubro de 1972 na Cordilheira dos Andes*)

* O  livro “A Sociedade da Neve” (Companhia das Letras), do escritor uruguaio Pablo Vierci, reúne os relatos inéditos e pessoais dos 16 sobreviventes da queda de um avião da Força Aérea do Uruguai, em 1972, numa remota região dos Andes. Estavam a bordo 45 pessoas que viajavam de Montevidéu para Santiago, no Chile, entre elas um time de jogadores de rúgbi. Havia cinco tripulantes. A aeronave chocou-se com os Andes e caiu. Dezesseis pessoas morreram na hora e, dos 29 sobreviventes, 13 foram morrendo ao longo dos 72 dias em que ficaram isolados na montanha. O grupo que conseguiu manter-se vivo o fez alimentando-se da carne de seus companheiros mortos. O fatídico episódio foi retratado em documentário, no cinema (“Vivos”, de Frank Marshall) e na literatura (“Os Sobreviventes – A Tragédia dos Andes”, do inglês Piers Paul Reed). Essa é, no entanto, a primeira vez que todos os 16 sobreviventes concordam em abrir suas tristes e dolorosas recordações. 
Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/81149_O+RELATO+INEDITO+DOS+SOBREVIVENTES+DOS+ANDES


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Até em respeito ao outro, é preciso criar os momentos para estar apenas consigo mesmo, sem depender de outras pessoas – ou apesar delas. 
 (Eugenio Mussak - Professor, escritor e palestrante especialista 
em temas relacionados a comportamento humano e liderança.)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

"Até que cada criança tenha sido educada de forma fantástica e cada cidade tenha sido limpa, não haverá falta do que fazer"

Bill Gates - fundador da Microsoft

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Texto extraído do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 81.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013


 — Meus amigos dizem que sou um dinossauro. A eles respondo sempre a mesma coisa: Você já ouviu falar de alguém que raqueou uma máquina de escrever?
 (Do escritor Frederick Forsyth, autor de livros sobre espiões e roubos de informações confidenciais, como “O dia do Chacal”,  numa entrevista onde afirma que não escreve em computador).

sexta-feira, 30 de agosto de 2013


Tempo tempo

(Artur Xexéo)
O e-mail chegou cheio de simpatia. “Estamos preparando uma série de matérias sobre o uso do tempo. Vamos falar sobre tempo e trabalho, tempo e família, tempo e comida, tempo e mídia, tempo e lazer. Queria muito um depoimento seu sobre o tempo para publicarmos em um desses dias. Você poderia escrever?” Como era um pedido da Cássia Almeida, não tinha como recusar. Fui rápido na resposta: “Topo, sim.”
Quando minha curta mensagem ainda estava sendo enviada, eu já tinha me arrependido. Onde é que eu vou arranjar tempo para escrever sobre o tempo? Tenho que escrever a coluna de quarta-feira, a de domingo, a do Globo a Mais. Tem uma reunião da série de TV. Tenho que acabar de escrever a peça de teatro que já está atrasada. É preciso elaborar a pauta do telejornal. Tem a versão do musical americano que eu estava deixando para escrever no fim do ano, mas o produtor acaba de me pedir para adiantar três canções para ele sair atrás de patrocínio. A que horas de que dia vou encaixar o artigo sobre o tempo?
Busco inspiração em Caetano. “Compositor de destinos/ Tambor de todos os ritmos/ Tempo tempo tempo tempo/ Entro num acordo contigo.” Será que dá para fazer um acordo? Talvez eliminando algumas horas de sono ou uma ou outra refeição. Bobagem! As horas de sono já foram negociadas faz tempo. Não dá nem mais para citá-las no plural. Quanto às refeições... bem, se ainda fossem as tradicionais três por dia, talvez desse para fazer um acordo. Mas, de uns tempos para cá, qualquer nutricionista ensina que elas devem ocorrer, em pequenas porções, de três em três horas. Resultado: neste quesito, já estou devendo.
A solução pode ser substituir algum momento de lazer pela tarefa da editoria de Economia. Momento de lazer? Há quanto tempo não tenho isso? É sempre possível também atrasar a encomenda. Oscar Wilde, numa das muitas frases geniais que deixou, dizia que “A pontualidade é a ladra do tempo”. Pois, então, evitemos esse roubo. Só que o jornal não espera. Nem a televisão. Nem os produtores de teatro. Não tem jeito. É preciso admitir. Definitivamente, não tenho tempo para escrever sobre o tempo.

Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/tempo-tempo-9711538

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

"O tempo que dispomos cada dia é elástico; as paixões que ressentimos o dilatam; aquelas que nos inspiram o encolhem, e o hábito o preenche"

Marcel Proust (1871-1922), autor da célebre obra
"Em busca do tempo perdido"

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 16 de julho de 2013

"...Acontece que o Direito é um vício. E quem um dia prova um pouquinho, mesmo que não queira, está sempre pensando nele, bem ou mal. E até mesmo usando-o sem sentir".

Nei Lopes, compositor e escritor, em coluna publicada em 14/07/2013

quinta-feira, 11 de julho de 2013

 ARNALDO JABOR - O Estado de S.Paulo

Pai, o que é plebiscito? - assim perguntava o menino, no conto de Artur Azevedo, em 1890. O mesmo aconteceu comigo.
Estava na sala e de repente meu filho levanta a cabeça e pergunta:
- Pai, o que é plebiscito?
Eu fechei os olhos imediatamente para fingir que dormia. O menino insiste:
- Papai? O que é?
Não tenho remédio senão abrir os olhos.
-Ora essa, rapaz, tens treze anos e não sabes ainda o que é plebiscito?
- Se soubesse, não perguntava.
- Plebiscito, meu filho, é quando o governo pergunta ao povo o que ele acha de determinado assunto importante para o país. Voltou à tona depois que houve as manifestações de rua, com mais de um milhão de pessoas protestando contra o caos brasileiro.
- Que pergunta é importante para o Brasil?
- São muitas perguntas meu filho... quer exemplos? Muito bem... vamos a isso:
-Você é contra ou a favor de 15 bilhões para estádios de futebol, dinheiro que dava para fazer 50 hospitais ou 75 quilômetros de metrô em São Paulo? Você é a favor da reforma politica? Você sabe o que é voto distrital comum ou misto? É contra ou a favor? Aliás, você sabe o que é isso, filho?
-Se você explicar...
-Também não sei, filho... mas, vamos lá... Você é contra ou a favor de haver 28 mil cargos de confiança no governo, se a Inglaterra tem apenas 800 e os Estados Unidos, 2 mil? O Brasil tem mais de 5.700 municípios, com prefeitos, vice prefeitos, 513 deputados federais, 39 ministérios. Não dava para cortar tudo pela metade? E o PAC? Que fez o PAC até hoje? Com a corrupção deslavada, o PAC acabou fazendo pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, esgotos à flor da pele, tudo proclamado como plano de aceleração do crescimento.
Os melhores economistas do mundo dizem que temos de abandonar a politica econômica de estimular demanda e atentar para o crescimento da oferta, pela redução de gastos do Estado, que se apropria de 36% da renda nacional mas investe menos de 3% e consome grande parte dos recursos para sua própria operação. Você entendeu o que falei? Um dia, entenderá.
Você é contra ou a favor de investigar por que a Petrobrás comprou uma refinaria no Texas por US$ 1 bilhão, se ela vale apenas US$ 100 milhões? Você é contra ou a favor da ferrovia Norte Sul que está sendo construída há 27 anos, com mil roubalheiras e ainda quer mais 100 milhões para cobrir o que a Valec desviou quando o Juquinha, afilhado do eterno Sarney, era o chefão?
- Quem é Sarney?
- É o comandante do atraso.
- Ah, legal...
- Você é contra ou a favor da CPI que fez o Cachoeira sumir do mapa para não criar problemas para o Executivo e suas empreiteiras? Você lembra das operações da Policia Federal, com lindos nomes? Cavalo de Troia, Caixa de Pandora (do Arruda), Anaconda, das mil ambulâncias dos sanguessugas? E tantas outras. Quantos estão presos hoje? Você é contra ou a favor de reforma do Código de Processo Penal? Aliás, por que o PT quer tanto o plebiscito? Ele lucra com isso? Sim ou não?
O Lula sumiu de cena mas já declarou que as manifestações são " coisa da direita ". E o PT? É peronista de direita ou de esquerda? Com a volta da inflação, você é contra ou a favor da correção monetária para o Bolsa Família? Você não acha que é fundamental a privatização (ohhh, desculpe, "concessão") de ferrovias, aeroportos e rodovias?
Por que uma das maiores secas de nossa história não é analisada pelo governo? Para não criticar os donos da indústria da seca, por motivos eleitorais? Alias, o que aconteceu com o Rio São Francisco, que disseram que iam canalizar? Parou? Sim ou não?
Sem dúvida, Sergio Cabral foi quem mais se queimou nisso tudo. Mas, pergunto, que será do Estado do Rio de Janeiro com o Lindenberg Farias, ex-prefeito de Nova Iguaçu, com o sigilo quebrado pelo STF, governando o Estado até 2018? Será que o Pão de Açúcar fica em pé?
Você acha legal ou não a importação de médicos cubanos para o País?
Você é contra ou a favor do "trem bala" que custará (na avaliação inicial) cerca de 30 bilhões de reais, que davam para renovar toda a malha ferroviária comum? Aliás, nessa velocidade, qual a altura que ele vai voar, quando os traficantes do Rio puserem pedras nos trilhos?
Você acha que os "mensaleiros" ficaram contentes com o fim da PEC 37 que o Congresso, apavorado, rejeitou?
Você acha normal que o Brasil cobre R$ 36 de impostos sobre cada R$ 100 produzidos? Você não acha o Palocci muito melhor que o Mantega? Por que não chamam o Palocci? Quem é? É o melhor cara do PT, que impediu a destruição do Plano Real durante os quatro anos do primeiro mandato do Lula.
Você entende, meu filho, o governo do Brasil tenta com sua ideia de mudança constitucional transformar problemas administrativos em problemas institucionais. Você não acha que querem disfarçar sua incompetência administrativa? Afinal, quem governou o país nos últimos dez anos? Agora, parece que descobriram que o país precisa de reformas, que o PT não fez nem deixou fazer por 10 anos. Agora, gritam todos: reforma! Por isso, pergunto: será que os intelectuais não veem que a democracia conquistada há 20 anos está sendo roída pelos ratos da velha política? Você acha que a Dilma está com ódio do Lula, por ter finalmente descoberto o tamanho da herança maldita que deixou para ela? Mas Lula não liga. "Ela que se vire..." - ele pensa, em seu egoísmo, secretamente até querendo que ela se dane, para ele voltar em 2014. Você acha, meu filho, que o Lula vai ser candidato de novo? E será eleito como "pai do povo" , para salvar o País que ele destruiu?
E que você acha de todas essas perguntas, filho? Qual a sua opinião?
- Pai, o povo já respondeu a todas essas perguntas. Então, para que perguntar de novo?
- É técnica de marketing, meu filho. Ideia do Lula, para dar a impressão de que o governo não sabia de nada. Como ele nunca soube.

 Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-plebiscito-,1051557,0.htm

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Ok, nós estamos sendo vigiados

A privacidade acabou. Não por conta das agências de espionagem, mas sim da tecnologia. As agências de espionagem estão tentando correr atrás de algo que não começou com elas. Nos anos 90, elas não sabiam o que fazer com a internet. Estocaram informações da rede que imaginavam que durariam três anos. Duraram três meses. E não sabiam que uso fazer delas. O que o escândalo Prism (a parceria da Agência de Segurança Nacional com Google, Yahoo, Facebook, Microsoft e outras) nos mostra é que finalmente mataram a charada de um quebra-cabeça de 20 anos: a informação está com as empresas. E muitas destas informações são colocadas voluntariamente pelas pessoas. Facebook é uma máquina para autovigilância. Houve uma mudança cultural. Jovens ainda dão valor à privacidade, mas estão mais dispostos a desvendar suas vidas...

Estão nos oferendo uma barganha: segurança em troca da privacidade. Mas não é verdade: abrimos mão da privacidade e da segurança em troca de conveniência...

O fato de que a NSA comprou milhões de dados da empresa Verizon nos mostra para onde a espionagem está indo: não é só conteúdo dos telefonemas ou e-mails. Mas sobretudo a posição geográfica: onde você estava quando fez a ligação. Segredos e inteligência também deixaram de ser propriedade das agências de inteligência. As agências de espionagem não estão mais interessadas em submarinos russos: mas sim nas pessoas. E quem mais coleta dados sobre as pessoas são bancos, companhias aéreas, supermercados, provedores de internet. Estas são as novas máquinas de vigilância. Mas esse processo todo enfraquece também as agências de espionagem. Wikileaks é um exemplo. Ok, nós dois estamos sendo vigiados. Mas as agências de inteligência também estão sendo! E elas não gostam disso. Acabou a privacidade para indivíduos, mas também acabou para empresas e agências de espionagem. Tudo vai ser transparente.


*Richard Aldrich é professor de Segurança Internacional da University of Warwich.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Ser ético, ser herói

Quem viu o filme Casa da Rússia, com Sean Connery e Michele Pfeiffer? Numa certa altura, entusiasmado, o editor inglês que é representado por Sean Connery diz: “Hoje, para alguém ser uma pessoa decente, precisa ser herói”. É uma frase fortíssima, que muda toda a história que vai acontecer depois – e que por isso mesmo eu não vou contar. Mas quer isso dizer que, hoje, para ser ética, uma pessoa tem que ser heróica? Ficou tão difícil a ética, assim?
É o que ouvimos quase todo dia. Os brasileiros dão muita importância à ética. Dividimos o mundo em gente decente e indecente. Quando algo dá errado, por exemplo uma política pública, automaticamente se pensa em roubalheira, não em incompetência.
Mesmo os bandidos falam em ética. Na cadeia, punem sem piedade quem abusou sexualmente de crianças ou de mulheres. É comum até um criminoso falar na sua “ética”, nos seus valores.
Também, quando tratamos um serviço, é freqüente a pessoa contratada explicar por que ela faz tão bem o seu trabalho e, sobretudo, por que não pratica certas desonestidades que seus colegas (jura ela!) fazem.
Acredite, claro, quem quiser. Mas faz parte do nosso discurso social, da nossa fala com o outro, afirmar: eu sou ético, num mundo em que o resto não o é. Eu sou do bem. O mundo está de pernas para o ar, tudo está errado, mas eu não.
Aqui temos então duas grandes idéias fortes da brasilidade. A primeira é que as coisas em geral não andam bem. A economia nos aperta, a sociedade está complicada, até a amizade e o amor estão em crise. Percebemos bem essa devastação e ela nos incomoda. Mas a segunda idéia é que eu, pessoalmente, ajo bem. Sou honesto.
Serei herói? Aqui é que estão as coisas. Boa parte do auto-elogio (eu sou o único decente num mundo de bandidos) é mentira. Basta ver como termina o serviço do profissional que gabou sua honestidade: tão ruim quanto o dos outros, ou mesmo pior. Então, parece que o personagem da Casa da Rússia tem razão: a ética virou artigo raro. Ser ético é mostrar-se capaz de heroísmo.
Vale a pena então irmos, deste filme recente, baseado num livro de John Le Carré, para a tragédia grega Antígone, que Sófocles escreveu no século V antes de Cristo. Penso que toda reflexão sobre a ética deve começar por ela.
Antígone é filha de Édipo. Dois de seus irmãos lutam pelo poder, e ambos morrem. O trono fica então com seu tio, Creonte, que manda enterrar um dos sobrinhos com todas as honras – e deixar o corpo do outro aos abutres. Antígone não aceita isso. Participa do enterro solene de um irmão e depois sepulta, com os ritos religiosos, o outro, o proscrito.
O rei fica furioso. Está convencido de que é uma conspiração contra ele. Manda descobrir quem violou suas ordens. Ao saber que é a sobrinha, tenta poupá-la: se ela negar que foi ela, ou se pedir desculpas, enfim, ele lhe dá todas as saídas – sob uma condição só, de que ela negue o seu ato. Antígone se recusa e é executada.
Essa história é exemplar. Ela mostra que há um conflito latente entre a ética e a lei. Um governante dá ordens. Estas podem ser legítimas ou não. Creonte fez o que não devia, moralmente, mas é ele quem manda. A lei está com ele. Neste caso, o que fazer?
Vou passar a um caso relativamente recente. Um tempo atrás, eu estava na França, quando um homem morreu na calçada, em frente de uma farmácia, sem que ninguém o acudisse. O farmacêutico explicou: se tocasse no outro, se tornaria responsável por ele. Só um médico poderia fazê-lo. Descobriu-se, porém, que bastaria um remédio simples para salvar o rapaz da morte. O que fazer?
Assisti então a um amplo debate. Foi sugerida uma mudança na lei, para que as pessoas pudessem acudir a seus próximos sem serem processadas, quando agissem de boa fé. Também se propôs um sistema de atendimento mais rápido das emergências. Mas quem, a meu ver, resolveu a questão foi um jornalista, que disse mais ou menos o seguinte:
- Se precisarmos de uma lei que autorize as pessoas a agirem humanamente, a socorrerem os outros sem pensar nos castigos e riscos que correm, não estará tudo perdido? Porque nunca as leis vão prever todos os casos. Sempre, para alguém agir bem, de maneira ética, em solidariedade com os outros, haverá um terreno incerto, um espaço que pode até ser ilegal.
- Precisamos de uma lei nos permitindo ser decentes?, continuou ele. Ou deveremos estar preparados para correr os riscos, até mesmo de sermos presos, quando um valor mais alto se erguer, o valor do respeito do outro?
É este o heroísmo de que falava o personagem da Casa da Rússia. É este o heroísmo que Antígone praticou. E ele exige que, às vezes, estejamos dispostos a infringir a própria lei, a desobedecer às regras, quando for em nome de um valor superior. Em nosso mundo, este valor mais elevado pode ser, antes de mais nada, a vida de alguém. Aliás, costuma haver polêmica sobre o chamado “furto por necessidade”, quando um esfomeado furta comida para sobreviver: isso não é um crime.
Mas as coisas podem ir mais longe. Maria Rita Kehl elogiou aqui, na semana passada, o líder dos sem-terra João Pedro Stédile. O que vale mais, a lei de propriedade da terra, que perpetua uma exclusão social enorme, ou o direito das pessoas a viver, e acrescento, a viver dignamente? Do ponto de vista ético, é claro que vale mais o direito à vida digna.
Nem sempre foi assim. Um pregador puritano inglês do século 17, Richard Baxter, tem uma frase horrorosa. Na época, enforcava-se quem roubasse um pedaço de pão. Ele justifica isso: a vida dos pobres, explica, não vale grande coisa, ao passo que o atentado à propriedade destruiria os fundamentos da própria sociedade.
Não há consenso a este respeito. Uns defendem os sem-terra, outros os atacam. Mas o que quero levantar aqui é algo mais forte: é que a ética e a lei não coincidem necessariamente. Muitas vezes, ser decente exige romper com a lei. Foi assim sob o nazismo e sob todas as formas de ditadura. É assim também quando a desigualdade ou a injustiça impera.
Aí, sim, o ser humano precisa ser heróico. Porque violar a lei, mesmo que seja por um valor moral relevante, significa sofrer as penas da lei. Numa sociedade decente, imagino que o juiz não mandará para a cadeia quem infringiu as normas legais devido a valores morais mais altos, como os que citei. Mas não há garantia nenhuma disso. Pode ser que a pessoa seja punida, mesmo.
E é importante insistir nisso. O que queremos nós: cidadãos obedientes à lei, a qualquer lei, ou sujeitos éticos, decentes? O ideal é juntar as duas coisas. Mas, na educação, devemos apostar na autonomia, isto é, na formação de pessoas que sejam capazes de decidir por si próprias. O que significa que, em casos raros e extremos, elas tenham a coragem de enfrentar o consenso social e suportar as conseqüências de seus atos.
Isso, para terminar, pode fazer de qualquer um de nós um pequeno herói. O heroísmo não está só nas personagens da mitologia grega ou nos super-heróis da TV. Ele pode estar presente quando cada um de nós enfrenta uma pequena prepotência, em nome de um valor mais alto – desde, claro, que arque com os resultados de sua ação e que além disso lembre que é falível e pode estar errado. Mas é desses pequenos heroísmos pessoais que depende a dignidade humana. 

Texto do filósofo Renato Janine Ribeiro.
Disponível em: http://www.renatojanine.pro.br/Etica/heroi.html

quarta-feira, 5 de junho de 2013

segunda-feira, 3 de junho de 2013


“Meu estado de espírito sintetiza estes dois sentimentos (otimismo e pessimismo) e os supera: sou pessimista com a inteligência, mas otimista com a vontade. Em cada circunstância, penso na hipótese pior, para pôr em movimento todas as reservas de vontade e ser capaz de abater o obstáculo.” 

“A crise consiste precisamente no fato de que o velho mundo está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem."

Antonio Gramsci
(filósofo, político e cientista político italiano)

sábado, 1 de junho de 2013

"A vida é como andar de bicicleta. Para manter o equilíbrio você tem que se manter em movimento." 
 Albert Einstein

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. 
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)

Marina Colasanti, escritora

Texto extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1996.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

No meu tempo

No meu tempo, as agências bancárias funcionavam até 18h. Cinema era sempre às duas, às quatro, às seis, às oito e às dez. Teatro era de terça a domingo.
No meu tempo, a gente tinha que ir até São Conrado para comer casquinha de siri e beber água de coco. Almoço de domingo era na Confeitaria Colombo com piano ao vivo. No meu tempo, tinha um tobogã na Lagoa.
No meu tempo todo telefone era preto. A gente tinha sempre uma ficha no bolso para falar no telefone público. No meu tempo tinha telefone público.
No meu tempo, a gente tinha medo de telefone vermelho, de bomba atômica e de areia movediça.
No meu tempo, baleira de cinema vendia Mentex, bala Toffee e drops Dulcora. Ainda existe drops?
No meu tempo, para estar na moda, tinha que se usar calça boca-de-sino, camiseta manchada e sandália com sola de pneu.
No meu tempo, eu fazia compras no Hippie Center, no Disco do Dia e numa loja de jeans usados que ficava no Shopping dos Antiquários. No meu tempo, o Shopping dos Antiquários era conhecido como shopping da Siqueira Campos.
No meu tempo, os prédios da Delfim Moreira tinham, no máximo três andares, a Vinicius de Moraes chamava-se Montenegro e eu só gostava de ir a Ipanema para assistir a um filme no Pax e, depois, comer um cheesebacon no Chaplin.
No meu tempo, quem ia à Bahia voltava sempre com um berimbau. Quem ia a Buenos Aires trazia um frasco de colônia Lancaster. Quem ia a Nova York tinha que ver “Cats”. No meu tempo, quem ia Machu Pichu às vezes não voltava da viagem.
No meu tempo, só existiam três canais de televisão: a TV Rio, a TV Tupi e a TV Continental. Depois, bem depois, apareceu a TV Excelsior. No meu tempo, tinha mais coisas para se ver em três canais do que nos cento e tantos canais de hoje na TV a cabo.
No meu tempo, tinha filme que era proibido para menores de 21 anos. Geralmente, eram com a Libertad Lamarque. Todo domingo, às 10 da manhã, tinha Sessão Tom & Jerry no Metro. No meu tempo, tinha Festival Greta Garbo uma vez por ano.
No meu tempo, os elevadores tinham porta pantográfica. No meu tempo, não existia porteiro eletrônico (todo mundo jogava a chave da janela). No meu tempo, ouvia-se jogo de futebol em radinho de pilha.
No meu tempo, usava-se óleo de bronzear. Todo mundo comprava uma cadeira de praia nova no começo do verão. No meu tempo, só criança andava de bicicleta.
No meu tempo, a gente trocava tampinhas de Coca-Cola por miniaturas de personagens da Disney. No meu tempo, tampinhas de Coca-Cola eram chamadas de chapinhas. No meu tempo, a gente juntava palitos de picolé para concorrer a prêmios na Grande Ginkana Kibon. No meu tempo, a gente colecionava álbum de figurinhas com fotos da recém-inaugurada Disneylândia.
No meu tempo, dançava-se cha cha cha no Le Bateau, twist no Black Horse e hully gully no Jirau.
No meu tempo, não tinha restaurante japonês, nem comida indiana, nem pizza fininha. Quando a gente saía de casa, era para comer camarão á milanesa com arroz à grega. E dava para lamber os beiços.

Artur Xexéo
Disponível em:  http://oglobo.globo.com/cultura/xexeo/posts/2013/05/26/no-meu-tempo-498054.asp

domingo, 19 de maio de 2013

"A vida traz muitos desafios. Não devemos nos assustar com aqueles que podemos enfrentar e controlar"
Angelina Jolie, atriz e diretora, em artigo publicado para o "New York Times", sobre sua decisão de realizar mastectomia dupla preventiva, após teste genético indicar alto risco de câncer de mama.




terça-feira, 14 de maio de 2013

"A conformidade vem com a idade"
(Gilberto Gil, em entrevista publicada na coluna Gente Boa, Jornal O Globo, 13/05/2013)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

quarta-feira, 8 de maio de 2013


Olhamos as linhas do corpo, mas somos capazes também de ler nas entrelinhas

Luana Piovani leu a crônica da semana passada, um carinho sobre as mulheres que estão fora do padrão da beleza em cartaz. Não gostou. Criticou a sugestão do colunista para que o programa “Superbonita”, do qual é apresentadora, fizesse, na contramão do poema “Receita de Mulher”, de Vinicius de Moraes — aquele da beleza é fundamental —, um especial pacificador sobre a bobagem de se reprimir uns centímetros a mais nos culotes e outras aflições daquelas que o mundo tacha como feias. Luana Piovani respondeu pelo seu tambor preferido, o twitter:
“Sugestão declinada. Teremos sim programa para como se livrar deles. Precisamos de audiência e ninguém vai assistir a um pgm que incentive a inércia no duvidoso. Incentivamos a sua melhor versão. Todos temos! Agora, você me diz onde estão esses homens que curtem bunda mole com furinhos, a testa giga, barriguinha e cabelos crespos polvorosos pq no planeta q moro, homem tá mais vaidoso q a gente.”
Daí que peço licença aos leitores para hoje escrever diretamente a Luana, uma das mais completas e perfeitas traduções em 2013 do poema de Vinicius.
Querida Luana,
A versão mais bonita de uma mulher é aquela que aprendemos a admirar e, se me permite a simplicidade de incorporar a linguagem twitter, ter tesão. Vamos colocar a língua para fora e deixar escapulir o Einstein que nos habita. Esse negócio de “bunda mole” é muito relativo. Eu conheci uma moça que poderia ser enquadrada nessa categoria e, no entanto, noves fora a suposta flacidez, era linda. Ela se movimentava como uma dessas garças que o Vinicius fazia pairar sobre as árvores de suas poesias, um pescoço de dois metros, e aquilo era um espetáculo de soberba tão deslumbrante que só agora, Luana, provocado por suas palavras, percebo que talvez ela pudesse estar nessa categoria calipígia que você desdenha como um downgrade. No entanto, tal moça tinha borogodó. A soma do quadrado dos seus catetos dava o quadrado de uma hipotenusa fantástica. Fomos felizes assim. Eu estive ali, pertinho, e longe de qualquer acidez crítica, era-lhe só reverência e vassalagem.
De homem eu entendo, Luana, e não sou bobo de desdenhar da carne dura, da pele macia, da bunda desenhada a compasso e outros clássicos da mulher bonita. Mas nem sempre é possível tamanha poesia numa hora dessas. Tenho certeza que havia dois Vinicius de Moraes. Um sentava à escrivaninha, no tempo da caneta tinteiro, e escrevia sobre a necessidade de que os seios tivessem “uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca” e pudessem “iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas”. Outro Vinicius andava pelas ruas. Seguia as mulheres com os olhos, súdito servil em lhes encontrar outros tipos de graça. Era capaz de, diante de alguma de seios de expressão divertidamente cubista, pedir o favor de que lhe caíssem nas mãos, róseos, plúmbeos, da cor do azeviche ou do maracujá, e fizessem o favor apenas de apagar a dor, aquietar o espírito e pôr ordem na correria insana de uma vida de resto sem sentido.
Definitivamente, Luana, vida real é outra coisa. Não cabe na pauta do ótimo “Superbonita”. Ninguém precisa ser super em nada. Assim como você, também acredito que todos temos a nossa melhor versão e precisamos incentivá-la, mas o que se vê em geral é a tentativa de obrigar todas as mulheres ao mesmo padrão. Fazê-las correr obrigatoriamente atrás do cabelo chapinhado, das pernas musculosas e dos peitos com a centimetragem de uma bomba que vai daqui até o pé da página, mas apontando para o alto, claro, prestes a estourar nos olhos do freguês. Há quem dê preferência, mas existem homens com desejos mais sutis. Eu, a propósito, sou das antigas, e aproveito o ensejo para cantar Noel, aquele do “há tantas santas no mundo, que vivem fora do templo, santas de olhar tão profundo, você, por exemplo, você, por exemplo”.
Nada contra a mulher bonita. Desde a primeira que eu vi, aquela com dois baldinhos na lata do Leite Moça, eu dedico boa parte do meu tempo a trazê-las para dentro das minhas retinas, jamais fatigadas com tamanho espetáculo. Eu só queria dizer, Luana, que homens têm um padrão mais elástico do que o recomendado na pauta do programa. Podemos, sim, curtir uma “barriguinha, a testa giga” e outras delícias a serem declaradas no próximo programa como esteticamente incorretas. Mulheres são desdobráveis, dizia a linda poeta Adélia Prado, e eu, mundano, já que a nossa pauta é outra, completo — elas são capazes de se redesenharem com um jeito de falar, uma maneira de silenciar ou uma promessa de queima de fogos ao se oferecer. Olhamos as linhas do corpo, mas somos capazes também de ler nas entrelinhas. Temos a força, como quer o desenho animado, mas ainda a espada da fantasia, a poesia da imaginação.
Qual de nós, diante daquele sorriso maliciosamente desengonçado, pediria, antes de se apaixonar, para avaliar, se duro ou com estrias, o bumbum da Diane Keaton?

por Joaquim Ferreira dos Santos


Disponível em http://oglobo.globo.com/cultura/luana-piovani-nao-gostou-8300163#ixzz2ScDZO1pd

terça-feira, 7 de maio de 2013

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Oração a mim mesmo

Que eu me permita olhar e escutar e sonhar mais. Falar menos. Chorar menos. Ver nos olhos de quem me vê a admiração que eles me têm e não a inveja que prepotentemente penso que têm. Escutar com meus ouvidos atentos e minha boca estática, as palavras que se fazem gestos e os gestos que se fazem palavras. Permitir sempre escutar aquilo que eu não tenho me permitido escutar. Saber realizar os sonhos que nascem em mim e por mim e comigo morrem por eu não os saber sonhos. Então, que eu possa viver os sonhos possíveis e os impossíveis; aqueles que morrem e ressuscitam a cada novo fruto, a cada nova flor, a cada novo calor, a cada nova geada, a cada novo dia. Que eu possa sonhar o ar, sonhar o mar, sonhar o amar, sonhar o amalgamar. Que eu me permita o silêncio das formas, dos movimentos, do impossível, da imensidão de toda profundeza. Que eu possa substituir minhas palavras pelo toque, pelo sentir, pelo compreender, pelo segredo das coisas mais raras, pela oração mental (aquela que a alma cria e que só ela, alma, ouve e só ela, alma, responde). Que eu saiba dimensionar o calor, experimentar a forma, vislumbrar as curvas, desenhar as retas, e aprender o sabor da exuberância que se mostra nas pequenas manifestações da vida. Que eu saiba reproduzir na alma a imagem que entra pelos meus olhos, fazendo-me parte suprema da natureza, criando-me e recriando-me a cada instante. Que eu possa chorar menos de tristeza e mais de contentamentos. Que meu choro não seja em vão, que em vão não sejam minhas dúvidas. Que eu saiba perder meus caminhos, mas saiba recuperar meus destinos com dignidade. Que eu não tenha medo de nada, principalmente de mim mesmo: — Que eu não tenha medo de meus medos! Que eu adormeça toda vez que for derramar lágrimas inúteis, e desperte com o coração cheio de esperanças. Que eu faça de mim um homem sereno dentro de minha própria turbulência, Sábio dentro de meus limites pequenos e inexatos, humilde diante de minhas grandezas tolas e ingênuas (que eu me mostre o quanto são pequenas minhas grandezas e o quanto é valiosa minha pequenez). Que eu me permita ser mãe, ser pai, e, se for preciso, ser órfão. Permita-me eu ensinar o pouco que sei e aprender o muito que não sei, traduzir o que os mestres ensinaram e compreender a alegria com que os simples traduzem suas experiências; respeitar incondicionalmente o ser; o ser por si só, por mais nada que possa ter além de sua essência, auxiliar a solidão de quem chegou, render-me ao motivo de quem partiu e aceitar a saudade de quem ficou. Que eu possa amar e ser amado. Que eu possa amar mesmo sem ser amado, fazer gentilezas quando recebo carinhos; fazer carinhos mesmo quando não recebo gentilezas. Que eu jamais fique só, mesmo quando eu me queira só. Amém.
Oswaldo Antonio Begiato

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Requerimento

Caro Senhor Tempo,
Espero que esta o encontre passando bem, ou melhor, passando o mais devagar possível.
Por aqui vai-se indo, como o Senhor quer e consente, meio rápido demais para o meu gosto, e quando vi já era dezembro.
Foi-se mais um ano.
E com ele foram-se uma quantidade incalculável de amores, cores, idades, alguns amigos, não sei quantos neurônios, memórias, remorsos, desvarios, cabelos, ilusões, alegrias, tristezas, várias certezas (se não me engano, treze), algumas verdades indiscutíveis, umas calças que não fecham mais e aquele vestido de que eu gostava tanto.
Foi-se o meu gosto por vitrine.
Foi-se quase todo o meu vidro de perfume.
 Foi-se meu costume de imaginar asneiras à noite. 
Foi-se meu forte instinto de acreditar no que me dizem.
Foi-se meu açucareiro de porcelana.
Que pena.
Foi-se o tempo em que uma simples farra não significava necessariamente uma condenação sumária no dia subseqüente.
Foi-se a poupança.
O troquinho da gaveta.
Foi-se aquele antigo projeto.
Foram-se exatamente nove vírgula seis por cento de todas as minhas esperanças.
Será que o Senhor não se cansa, seu Tempo?
Não pensa em tirar umas férias, dar uma pausa, respirar um pouco? Não lhe agrada a idéia de mudar o andamento? Diminuir o ritmo? Em vez de tic-tac, inventar uma palavra mais comprida para compasso, mantra, ícone, diagrama?
Me diga sinceramente: para que tanta pressa?
Anda difícil acompanhar seus passos ultimamente.
Não precisa dar meia-volta, eu não espero tanto. Eternidade? Não. Só queria sua amizade.
Mas já é dezembro.
Foi-se mais um ano.
E o Senhor passou voando, rebocou os meus momentos, foi desbotando minhas lembranças, carregou mais doze meses inteiros levando cada instante meu de carona.
Tentei voltar atrás em algumas decisões. Já era tarde.
Não deixei nada para amanhã. Mesmo assim não fiz sequer metade do que pretendia. Imaginei várias maneiras de estancar os dias, segunda, terça, quarta, quando via já era quinta. Sexta. Sábado. Domingo. Pronto.
Pensei em fuga. Será que existe algum lugar deste mundo onde as horas não me encontrem? Fiquei meses trancada em casa. Foi inútil. Lá fora, o Senhor continua passando.
E já passou mais um pouquinho.
Calma, Tempo! Espere só um minutinho para eu explicar melhor meu ponto de vista.
Nem todo mundo é pedra, concorda? Dito isso, imagine então quantos pobres mortais sofrem da mesma agonia diária: giros e mais giros nos ponteiros, os cantos dos cucos, as denúncias das sombras, os grãos de areia escorrendo (parece até hemorragia crônica), tudo escapulindo, descendo, subindo, o frenesi dos dígitos, um, dois, três, quatro, cinco, cem, o Senhor vai tirar o pai da forca? Está fugindo de alguém? De quem? De mim? De ontem?
Eu conheço de cor suas obrigações.
Estou convencida de suas utilidades.
Não fosse o Senhor, não existiriam saudade, retrato, suvenir, antiguidade, história, época, período, calendário, outrora, passatempo, novidade, creme anti-rugas, disputa por pênaltis, antepassado, descendente, dia, noite, nada, não existiria sabedoria, eu sei disso.
Não tome como queixas minhas palavras, por favor não tome.
Aqui vai apenas uma súplica.
Ah, se o Senhor fosse mais indulgente, mais piedoso, mais pensativo, se fosse baiano, menos estressado, mais manso, menos rigoroso, um bon-vivant, e se distraísse aí pelo caminho, e se deixasse apreciar as paisagens, e sofresse um devaneio, e ficasse de bobeira, esquecido das horas, divagando.
Escute aqui, seu Tempo, que tal deixar passar o resto e parar quieto um pouco?

 Adriana Falcão

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Ninguém permanece satisfeito com o que tem...


Ninguém permanece satisfeito com o que tem, olhando para o que é dos outros; é por isso que nos iramos até contra os deuses quando alguém nos ultrapassa, esquecidos dos homens que ficam para trás; e, quando há poucos homens para invejar, aqueles que seguem atrás de nós são invejosos terríveis. Mas o homem é tão mesquinho que, mesmo tendo recebido muito, considera-se injuriado se pudesse ter recebido mais. (...) Sobretudo, agradece aquilo que recebeste; aguarda pelo restante e alegra-te por não estares ainda satisfeito: é um prazer haver algo por que esperar. Venceste todos os homens: alegra-te por seres o primeiro no coração do teu amigo; foste vencido por muitos: considera quantos homens estão atrás de ti, mais do que quantos estão à tua frente. Queres saber qual é o teu maior vício? Fazes mal as contas: valorizas demasiado o que te oferecem, mas desvalorizas o que tens.

Séneca

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Do romance "A jangada de pedra".

segunda-feira, 15 de abril de 2013

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Provérbio



"Quem anda com os sábios será sábio; mas o companheiro dos tolos sofre aflição."
(Provérbios 13:20)

sexta-feira, 29 de março de 2013

"Ter problemas na vida é inevitável, ser derrotado por eles é opcional". Roger Crawford

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Receita de Ano Novo

Para você ganhar um belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido (mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser, novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior)
novo espontâneo,
que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar que por decreto da esperança a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo,
eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.

por Carlos Drummond de Andrade