sexta-feira, 30 de maio de 2014

Quero ignorado

Quero ignorado, e calmo
Por ignorado, e próprio
Por calmo, encher meus dias
De não querer mais deles.

Aos que a riqueza toca
O ouro irrita a pele.
Aos que a fama bafeja
Embacia-se a vida.

Aos que a felicidade
É sol, virá a noite.
Mas ao que nada espera
Tudo que vem é grato.

Fernando Pessoa

domingo, 25 de maio de 2014

Não chorei a morte de José Wilker, nem lastimei. Também não fiquei deprimida, mas sim serena, porque ele teve a morte dos abençoados: morreu dormindo. Que prêmio! Claro, por merecimento.

Agora minha cara leitora vai ficar chocada com o que vou escrever, mas hipocrisia não combina comigo. Detesto quem elogia velhice, tecendo mentiras em torno de uma tragédia.

A velhice é o maior castigo que cai sobre a humanidade. É a hora de pagar todos os nossos pecados. É preciso ser calhorda para chamar a velhice de “melhor idade”. Perdemos a fisionomia. Me olho no espelho e penso: “Quem é essa velha que me encara?”

São poucos os que escapam de diabetes, infarto, das terríveis dores reumáticas, da pressão alta, do Alzheimer. E quando a gente começa a sentir que precisa depender dos outros? Esse é meu maior pavor! O horror quando vou ao médico e a enfermeira começa a me chamar com voz mansinha de queridinha, bonitinha – tudo no diminutivo –, já vou dizendo: “Sou velha, mas não sou retardada”. E todos os olhares de impaciência quando você demora a abrir uma bolsa, por exemplo. Ser velho passou a ser motivo de xingamento.

Por tudo isso, não choro mais quando um companheiro vai embora, volta pra casa. Um homem brilhante como José Wilker, ator deslumbrante, culto e sensível, se alguém lhe perguntasse se queria viver mesmo que doente, tenho certeza de que ele escolheria a morte. Voltou para casa, numa viagem em que fechou os olhos e acordou na casa do Pai. Ele merecia! 

Por Xênia Bier
 - Ex-apresentadora em um de seus comentários pessoais e polêmicos
(postado em 18/04/2014 às 7h54)

Disponível em: http://mdemulher.abril.com.br/blogs/xenia-bier/variedades/nao-chorei-pela-morte-de-wilker/